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Mi-Fá-Dó-Sol | 16 Jan 2025

Carlos Reis e Dino Marques 16/01/2025

 

Emissão: 16 de Janeiro 2025

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

 

O fado, a navalha e a guitarra constituem uma trindade adorada pelo lisboeta – adoração etnicamente explicável2. O fado – fatum – canta as contingências da sorte voltária, a negregada sina dos infelizes, as ironias do destino, as dores lancinantes do amor, as crises dolorosas da ausência ou do afastamento, os soluços profundos da desesperança, a tristeza dolente da saudade, os caprichos do coração, os momentos inefáveis em que as almas dos amantes descem sobre seus lábios, e, antes de remontarem ao céu, detêm o voo num beijo dulcíssimo. Nenhuma das canções populares
portuguesas retrata, melhor do que o fado, o temperamento aventureiro e sonhador da nossa raça essencialmente meridional e latina; nenhuma reproduz tão bem como ele – com o seu vago charmeur e poético– os acentos doloridos da paixão, do ciúme e do pesar saudoso. A melancolia é o fundo do fado como a sombra é o fundo do firmamento estrelado.
E a música desta canção parece estampar a fatalidade antiga, essa mesma fatalidade a que Bocage aludia numa quadra:
Que eu fosse enfim desgraçado,
Escreveu do Fado a mão;
Lei do Fado não se muda,
Triste do meu coração!
O fado tem, por conseguinte, a sua filosofia. E aos que lha negam, pode-se-lhes responder, parodiando o que um entusiasta de Rossini dizia do autor do Guilherme Tell, da Cenerentola e do Barbeiro de Sevilha: «Pobre fado! Não vêem a tua profundeza, porque tu a cobres de rosas.»
Sob o ponto de vista musical, o modelo primitivo do fado é, segundo diz o Sr. Ernesto Vieira, um período de oito compassos de 2/4, dividido em dois membros iguais e simétricos de dois desenhos cada um; preferência do modo menor, embora muitas vezes passe para o maior com a mesma melodia ou com outra; acompanhamento de arpejo em semicolcheias, feito unicamente com os acordes da tónica e da dominante, alternados de dois em dois compassos. O fado é caracterizado ainda pelo acompanhamento da guitarra portuguesa, que, para esse fim, tem uma afinação especial. Quando os guitarristas tocam o fado, sem ser para acompanhar os cantos, fantasiam muitas variações sobre a mesma melodia, e quando tocam simplesmente o acompanhamento chamam-lhe fado corrido. Fado rigoroso é o que não admite variações. A gemedora música do fado lembra, vagamente, certos andantes da música checa.
«O motivo principal do allegretto da 7. a  sinfonia de Beethoven, confiado primeiro aos altos e violoncelos e aos violinos depois, dá uma ideia aproximativa do fado, não só na divisão rítmica, mas ainda na forma da melodia», diz um crítico. Sob o ponto de vista literário, «o fado – diz o Sr. Teófilo Braga – como a xácara moderna, em que a ação se não tira da vida heroica, é uma narração
detalhada e plangente dos sucessos vulgares, que entretecem o existir das classes mais baixas da sociedade… Tem o fado a continuidade do descante, seguindo fielmente uma longa narrativa entremeada de conceitos grosseiros e preceitos de moralidade com uma forma dolorosa, observação profunda na descrição dos feitos, graça despretensiosa, com uma monotonia de metro e de canto que infunde pesar, principalmente na mudez ou no ruído da noite, quando os sons saem confusos do fundo das espeluncas ou misturados com os risos dos lupanares.
O ritmo do canto é notado com o bater do pé e com desen-voltos requebros; a dança e a poesia auxiliam-se no que se chama bater o fado». O mesmo escritor assegura que o fado é – na letra – a última transformação dos romances, das aravias ou narrativas heroicas da Idade Média, adaptadas aos novos costumes sociais; e é – na música – um derivado das melopeias árabes. E acrescenta que o fatiste ou fadista era o vagabundo noturno, que andava modulando aquelas cantigas.
A Sr. a  D. Carolina Michaellis de Vasconcelos, louvando-se nos trabalhos do Sr. Teófilo Braga, diz – na sua obra sobre a literatura portuguesa – que o fado antigo era uma verdadeira poesia de dor, uma lamentação, em que uma freira, um frade, um marinheiro, um soldado, um lavrador, se queixava das iniquidades da sua classe, da sua sorte; e que, pela forma estrófica, se liga a uma espécie eclesiástica (lat. sequência), como se pode exemplificar com o fado do marujo e a xácara açoriana da vida da freira.
Ajunta que hoje se dá o nome de fado ou fadinho a poesias vulgares de igual conteúdo, mas em quadras como o fado da Severa, décimas e quintilhas, que são cantadas à banza pelos fadistas (bohemiens) de Lisboa. A nosso ver, o fado não promana das lenga-lengas arábicas, e isto pelos motivos que passamos a expor: primeiro, porque, nesse caso, o fado, pela sua diuturna existência, ter-se-ia espalhado por todo o país, ao passo que só modernissimamente chegou ao Porto e se canta nas duas Beiras; segundo, porque devia existir no Algarve – que foi o último reduto dos Árabes em Portugal–, o que não acontece; terceiro, porque o fado devia existir igualmente no Sul da Espanha – visto que aí persistiram os Árabes até fins do século XV –, o que também não acontece; quarto, porque se deviam encontrar citações a respeito do fado nos documentos impressos ou manuscritos até ao começo do século XIX, e não nos consta que alguém as topasse até hoje. Citam-se os tonos do século XVII, citam-se as modinhas e as cantigas do século XVIII e princípios do século XIX, Nicolau Tolentino satiriza umas e outras, mas ninguém nos dá notícia da existência do fado.
Para nós, o fado tem uma origem marítima, origem que se lhe vislumbra no seu ritmo onduloso como os movimentos cadenciados da vaga, balanceante como o jogar de bombordo a estibordo nos navios sobre a toalha líquida
florida de fosforescências fugitivas ou como o vaivém das ondas batendo no costado, ofeguento como o arfar do Grande Azul desfazendo a sua túnica franjada de rendas espumosas, triste como as lamentações fluctívagas do Atlântico que se convulsa glauco com babas de prata, saudoso como a indefinível nostalgia da pátria ausente. Das suas notas mestas e lentas, de uma gravidade de legenda, de uma suavidade tépida, parece emanar uma estranha emoção, impregnada, a um tempo, de melancolia e de amor, de bonito sofrimento e de moribundo sorriso. O fado nasceu a bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas convulsões dessa alma do mundo, na embriaguez murmurante dessa eternidade da água.
«As toadas plangentes, que, ao som da guitarra, se ouvem por toda a costa do ocidente, essas cantigas monótonas como o ruído do mar, tristes como a vida dos nautas, desferidas à noite sobre o Mondego, sobre o Tejo e sobre o
Sado, traduzirão lembranças inconscientes de alguma antiga raça, que, demorando-se na nossa costa, pusesse em nós as vagas esperanças de um futuro mundo a descobrir, de perdidas terras a conquistar?»
«Num país de seguidas tradições marítimas como o nosso, a poesia popular não podia deixar de se inspirar das cenas tocantes de que o mar é, não poucas vezes, testemunha. O fadista, trovador ambulante da plebe, compraz-se em procurar os seus similes na agitação constante das vagas, no agreste sibilar dos ventos, na inconstância, do elemento que, com a maior fidelidade, lhe retrata a instabilidade dos próprios sentimentos.»
O homem do mar é eminentemente imaginativo e contemplativo. A sua vida precária, toda repassada de ideologismo e de saudade, torna-o idealista, inocula-lhe o vírus rábico da poesia. O seu espírito perde-se nos êxtases do
Sonho e na embriaguez do Além. Todo o marinheiro verseja; e alguns dos nossos poetas capitães embarcaram ou usaram a farda de botão de âncora: Camões e Belchior, Bressane e Garção, Bocage e D. Gastão.
A facilidade de improvisação dos marítimos faz com que as canções  abundem a bordo, desde a cantiga ao desafio:
Larga âncora, arria a amarra,
Volta, abita, soca o nó,
Mete-lhe o leme de ló,
A ficar de proa à barra,
Portaló com portaló,
Quando não o ferro garra.
e desde a característica cantiga das fainas:
Quando ele arranca o ferro
Vira então de leva arriba,

Ai lé, lé, lé,
Ribamar e S. José.
Até ao doce fado, cujo ritmo lisonjeia os vagos instintos elegíacos do embarcadiço, cujos sons cálidos e moles osculam como um grande beijo sonoro e cujos versos amorosos e quentes parecem lançar no sangue os venenos que dão a alegria do sonho e a loucura dos paraísos artificiais – o ópio, a morfina, o haxixe. É indubitável que o fado só posteriormente a 1840 apareceu nas ruas de Lisboa. Até então, o único fado que existia, o fado do marinheiro, cantava-se à proa das embarcações, onde andava de mistura com as cantigas de levantar ferro, a canção do degredado e outras cantilenas undívagas. O Fado do marinheiro foi o que serviu de modelo aos primeiros fados que se tocaram e cantaram em terra.

Playlist:
00:00:19 António Pelarigo – Biografia do fado
00:05:41 Fernando Farinha – Deixa-me ser louco
00:09:15 Celeste Rodrigues – Carta de Adeus
00:13:27 Manuel Delindro – Só falta o amor
00:17:36 Hermínia Silva – Fado Das Iscas
00:21:43 Carlos Ramos – Despedida
00:25:19 Maria Teresa de Noronha – Fado Magala
00:29:16 Marlene Alves – Gaivota
00:34:43 Carlos Zel – Fado dos sonhos
00:37:44 Beatriz da Conceição – Se tardas amor, não venhas
00:42:07 Manuel De Almeida – Fado Rambóia
00:44:20 Alfredo Marceneiro – Leilão
00:48:30 Raul Pereira – Melros
00:51:02 Valdemar Vigário – Igreja de Santa Cruz
00:53:23 Júlia Silva – Grito
00:56:49 Madalena De Melo – Fado Estoril

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Publicação: Catarina Pereira
Foto(s): Direitos reservados

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Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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