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Mi-Fá-Dó-Sol | 21 Nov 2024

Carlos Reis e Dino Marques 21/11/2024

 

Emissão: 21 de Novembro 2024

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

Destaque: Origem Portuguesa do Fado

Um dos mitos mais interessantes e repetidos a respeito da origem do fado é aquele que afirma que ele tenha surgido no mar, o símbolo que tem ocupado a destacada posição na cultura portuguesa. A origem marítima, defendida por Pinto de Carvalho e Maria Luísa Guerra, está ligada á expansão marítima portuguesa que tem seu início do século XV, tendo como marco 1415 com a conquista de Ceuta; desde então as viagens marítimas foram uma constante na vida dos portugueses.
O marinheiro foi uma personagem importante nesse decurso, aquele que se lançava ao mar deixando para trás a família e sua terra e mergulhando em situações perigosas, arriscando sua própria vida. Cantar e tanger serviu-lhes como remédio, como um veículo de alheamento da sua realidade lamentável e do seu destino incerto. Assim, segundo os defensores dessa chamada “tese marítima”, as características nostálgicas e saudosistas desses cantos dos marinheiros deram origem ao chamado fado marinheiro o qual, segundo Pinto de Carvalho, foi o fado mais antigo de todos.
Estas canções comunicavam experiências e estados de alma, os temas principais eram, portanto, amor e saudade. Diferentes textos serviram de base para esta argumentação, entre os quais consta o poema de José Régio – “Fado Português” (1941) – que, num tom plangente e saudosista, introduz o tema do nascimento do Fado num contexto marítimo através dos vocábulos alusivos ao mar e da descrição da vida marinheiresca:
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro que,
estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal, olhar ceguinho de choro.
Porém, uma mera semelhança temática entre os cantos dos marinheiros e a canção do fado oitocentista não pode bem servir como argumento convincente para que esta tese possa ser considerada como reconhecida, como afirma Nery dizendo que uma hipotética origem marítima é “um clichê demasiadamente tentador para que a própria tentação poética do fado não se apresse a apoderar-se dele como um filão recorrente de inspiração temática até a atualidade”
A teoria mais aceite quanto à origem do fado remonta a uma dança existente no Brasil e que fez o caminho contrário das grandes navegações, indo da colónia para Portugal e passando, nesse país, de uma forma de dançar para uma maneira de cantar. Entre os principais defensores dessa teoria são Rui Viera Nery e José Ramos Tinhorão, que numa das suas obras, Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos: origens, de 2008, afirma que: […] levadas para Portugal, como acontecera em meados do século XVIII, como a fofa e o lundu, as danças do fado – acrescidas da contribuição melódico- sentimental das cantigas de «pensamento verdadeiramente poético» […] – iam percorrer o caminho próprio entre as camadas baixas de Lisboa, onde os brancos as tomariam dos pretos e mestiços para transformar-lhes a parte cantada em canção urbana a partir da segunda metade do século XIX.
Para melhor ilustrar essa hipótese, os autores disponibilizam vários relatos de geógrafos e viajantes estrangeiros que demonstram a existência de uma dança chamada fado em terras brasílicas: em 1817 o viajante francês Louis Freycinet em que cita “los fados” como uma dança lasciva da população; − em 1819, o Poeta Falmeno menciona “os bailes do fado”; − em 1825, o alemão Karl do Exército Imperial brasileiro, relata a passagem em que uma negra se dispõe a dançar o fado; − em 1827, outro alemão, durante sua estadia no Rio de Janeiro menciona o fado no contexto de danças brasileiras; − em 1854, na obra “Memória de um Sargento de Milícias” de Manuel Antônio de Almeida há relato sobre bailar o fado nos tempos do rei.
Esse conjunto de fontes é considerado um exemplo explicativo do primeiro tipo de fado de que se tem conhecimento nos registos históricos em português. Contudo, este ainda está longe de ser o fado português como hoje o conhecemos. Mas, segundo Nery, constitui o foco da sua origem devido às semelhanças performativas, dos traços melódicos, harmónicos e rítmicos, que se encontram nos primeiros fados portugueses.
Segundo a última hipótese, o fado tem origem portuguesa, descendendo diretamente do romanceiro, o canto narrativo tradicional, cuja origem remonta à Idade Media. Essa origem portuguesa é defendida pelo investigador José Alberto Sardinha que, através de uma investigação rigorosa e profunda junto das comunidades rurais de todas as províncias, descobriu uma antiga tradição poético-musical comum a todo o país que constitui a génese do fado: o canto narrativo.
Representado pelo romanceiro tradicional desde o século XVI, o canto narrativo foi perdendo o seu carater épico inicial, novelizando-se progressivamente até versar quase exclusivamente os assuntos de carácter amoroso ou trágico-sentimental, e foi difundido pelas feiras e ruas de todo o país graças aos músicos ambulantes que o interpretaram e popularizaram. São esses os fados primitivos, a que pejorativamente se chama fados da desgraçadinha ou de faca e alguidar, e é aí que se situa a origem, a raiz do fado, segundo a convicção de Sardinha.
O investigador refere que o fado é um poema narrativo, um texto poético, para além de ser considerado um género musical. A despeito de aumentar o número dos estudos que se tem feito sobre o género, as verdadeiras origens continuam na sombra. A maioria dos investigadores consente na ideia de que o fado, mais provavelmente, não teria nascido de uma só origem e que, para se criar uma opinião e um trabalho verdadeiramente objetivos, é imprescindível levar em consideração todas as teorias existentes. Porém, o que se pode afirmar é que o fado, independentemente das suas origens, terá sofrido alterações ao longo do tempo, não tendo aparecido espontaneamente com todas as singularidades e características que hoje conhecemos, tendo-se manifestado inicialmente em Lisboa em meados do seculo XIX, ou em 1840, segundo Pinto de Carvalho e José Alberto Sardinha defende a origem portuguesa do fado.
A construção do fado como género musical está ligada ao processo de urbanização que Portugal começou a passar no início do século XIX e com isso de uma nova constituição social nas cidades, especificamente em Lisboa. As destruições decorrentes das lutas políticas e das guerras liberais entre os anos 1928 e 1934 atraíram uma população numerosa de origem rural, conduzindo a um aumento populacional bastante considerável e a uma expansão da área urbana. A esse grupo há que acrescentar os retornados do Brasil, antes e depois do regresso da família real e da independência do Brasil, as classes feridas pelas novas reformas de constitucionalismo, como clero e criadagem das antigas casas nobres, ou os escravos negros libertados. Constitui-se assim uma nova classe urbana, os proletários, juntados nos bairros pobres de Lisboa, partilhando a mesma miséria e a mesma luta pela sobrevivência.
Nesse universo de pobreza o contrabando, o jogo clandestino, o roubo e a prostituição eram os motores principais da economia. Surgem tabernas e bordéis, lugares de encontro masculino, em que a presença feminina está ligada à prostituição. É nesta atmosfera boémia que as canções e danças populares estão presentes. Os testemunhos escritos da época referem-se a esses espaços lisboetas, de boémia e prostituição, pelo nome de “casas de fado”, e, nesse ambiente, era usual identificar a mulher que cantava o fado como prostituta. Esses bordéis e tabernas tornaram-se os espaços de diversão, ideais para se cantar as amarguras, as tristezas e os desencontros dessa classe marginalizada. Assim, foi no ambiente de lazer das classes populares na cidade de Lisboa que se criou o lugar do fado e foi uma prostituta, Maria Severa, sua primeira grande personagem.
O fado nessa época ainda representava a não separação entre música e dança. A dança, prática muito mais masculina que feminina, podia ser de duas formas: bater o fado e dançar o fado. A dança do fado assemelhava-se à encontrada no Brasil, já o bater o fado era uma dança entre duas ou três pessoas, onde uma apara e o outro bate. É nessa época que aparecem as primeiras formas melódicas do fado, que só serão escritas no século seguinte, as primeiras temáticas matriciais do fado, assim como o reconhecimento dos primeiros fadistas.
É nesse período do enraizamento bairrista que aparece a figura de Maria Severa Onofriana, a mítica representante do fado lisboeta de meados do século XIX, identificada como a primeira mulher a cantar, tocar e dançar o fado. Maria Severa era uma prostituta que morava no bairro popular da Mouraria e que possivelmente nasceu em 26 de julho de 1820 e morreu em 30 de novembro de 1846. Tal como sua mãe, tornou-se prostituta muito cedo, mas depressa sobressaiu nesse meio, não só pela sua beleza, como pelos seus dotes de cantadeira de fado.
Como prostituta, Severa mantinha relacionamentos amorosos com vários amantes, mas tornou-se conhecida devido à relação amorosa com o Conde de Vimioso, à frente de uma das famílias aristocráticas mais distintas de Portugal. Ele a convidava frequentemente para se apresentar nos salões da aristocracia, conferindo-lhe assim as oportunidades de exibição perante o público jovem oriundos da elite social e intelectual portuguesa. Devido a esse relacionamento amoroso com um membro da elite lisboeta, Severa possibilitou uma primeira visibilidade do fado para além do seu contexto social de marginalidade.

Playlist:
00:00:19 Fernando Farinha – Fado antigo
00:03:36 Andreia Ribeiro – Que Foi Que Aconteceu
00:07:20 António Campos – Veio a Saudade
00:11:39 Tony Gama – Coimbra
00:15:58 Justino Nascimento – Canção das Lágrimas
00:20:25 Maria do Céu Correia – Havemos de Ir a Viana
00:23:49 Júlio Peres – Como a vida passa
00:27:25 Anfredo Marceneiro – Rainha Santa
00:31:51 Carlos Do Carmo – Trem Desmantelado
00:34:55 Nisa Conde – Libertação – Fado Meia-noite
00:39:49 António Mourão – O meu destino
00:43:06 Tiago Simões – Jardim do Coração
00:47:13 Teresa Siqueira – O Vento Agitou O Trigo
00:49:38 Manuel De Almeida – Júlia Florista
00:51:07 Filomeno Silva – Dizem Que Deus Fez a Noite
00:54:02 Tony de Matos – O rosa
00:56:19 Tristão Da Silva – Maria da Paz

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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados

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Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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