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Mi-Fá-Dó-Sol | 23 Jan 2025

Carlos Reis e Dino Marques 23/01/2025

 

Emissão: 23 de Janeiro 2025

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

Os primeiros registos que ligam o fado à música remontam aos finais do século XIX, seja para descrever as danças no contexto colonial no Brasil, seja para fazer referência ao estilo que evoluiu e se desenvolveu, posteriormente, em Lisboa. Até ao século XIX verifica-se, através das fontes literárias e lexicográficas, que no léxico português o vocábulo fado não se relacionava com qualquer prática musical: o significado do termo “fado” é apenas o da sua raiz latina fatum, ou seja, o destino, a sina, a trajetória de vida de cada indivíduo.
Constata-se a completa ausência do significado musical da palava fado em todos os dicionários da língua portuguesa até ao último terço do século XIX, desde o Vocabulário Português e Latino de Rafael Bluteau às primeiras edições do Dicionário de António de Morais e Silva, que conceituam a origem divina do termo, definindo o fado como “a ordenança, a divina providencia”. Portanto, a palavra fado enquanto expressão musical (dança ou canção) aparecerá definido pela primeira vez em 1874, no dicionário de Lacerda, quando já era uma prática visivelmente ativa e documentada na sociedade portuguesa de então: “Fado, cantiga e dança popular, muito característica e pouco decente: o de Lisboa, o de Coimbra”.
Em 1878, o termo volta a aparecer na 7ª edição do mencionado Dicionário de Morais com a definição poético-musical: “Poema do vulgo, de caracter narrativo, em que se narra uma história real ou imaginária de desenlace triste, ou se descrevem os males, a vida penosa de uma certa classe, como no fado do marujo, da freira, etc. Música popular, com um ritmo e movimento particular, que se toca ordinariamente na guitarra, e que tem por letra os poemas chamados fados”.
Assim, desde os finais do século XIX, admite-se, ao lado da semântica etimológica de fatum, uma nova aceção que relaciona o vocábulo “fado” com canção popular, típica do sentimento português. A fatalidade do destino a que todos estão sujeitos nota-se bem na grande maioria das letras tradicionais do fado, o que vai ao encontro da sua raiz latina. Ao mesmo tempo, existe uma outra hipótese acerca da origem da palavra fado, defendida atualmente por José Alberto Sardinha, que diz que o fado se chama fado porque conta histórias.
De acordo com o investigador, a palavra, ao nível popular, tem o sentido de vida: o nome “fado” surgiu a partir do facto de os poemas narrativos contarem histórias ou episódios das vidas das pessoas, geralmente de desenlace triste ou mesmo trágico. As origens do fado é uma questão que sempre tem estado no centro da discussão dos investigadores do assunto, devido à escassa bibliografia que foi sendo publicada sobre o tema e a ausência de um exame rigoroso e exaustivo dos mais antigos registos documentais à disposição. Sendo assim, desde o fim do século XIX até os dias de hoje têm surgido teses diversas e por vezes contraditórias que apontam para as origens possíveis desse estilo musical.
Uma das primeiras e das mais antigas hipóteses relativas à origem do fado é a chamada tese árabe. Segundo essa tese, o fado seria o vestígio da influência cultural dos árabes presentes na península Ibérica desde o século VIII. A tese é defendida sobretudo pelo historiador da literatura Teófilo Braga, que considera o fado ser um derivado das melopeias árabes huda e xácara. Do seu ponto de vista define o fado como a xácara moderna – uma narração detalhada e chorosa dos acontecimentos da vida das classes mais baixas da sociedade. A fundamentação para essa teoria limita-se às semelhanças na temática e no carácter melancólico e lamentoso entre os cantos dos Mouros e a canção fadista.
De acordo com os mais destacados oponentes dessa teoria, as provas históricas não sustentam essa hipótese de uma suposta origem árabe do fado. Os mouros abandonaram a península ibérica nos finais do século XV e os primeiros registos de fado, como já foi referido, apareceram no início do século XIX. Além disso, segundo o argumento apontado para essa génese – a localização geográfica dos executantes desse tipo de música – o fado também deveria existir noutros locais do país, como, por exemplo, no Algarve –“último reduto dos Árabes em Portugal” – o que não se verifica.
A tese trovadoresca considera o fado ser um dos frutos da produção lírica dos trovadores da Idade Média. A primeira sugestão duma origem medieval do fado foi proposta por Carolina Michaëlis de Vasconcelos, seguida, entre outros, por Mascarenhas Barreto. Os dois autores afirmam que as três formas poéticas desenvolvidas e cultivadas pelos trovadores portugueses – a cantiga de amor, a cantiga de amigo e a cantiga de escárnio e maldizer – estão na origem do fado do século XIX. Na base de sua explicação está o paralelismo temático entre essas cantigas medievais e o fado, levando em consideração também a voz da sua expressão.
Assim, por seu turno, as cantigas de amor, cantadas por um trovador a uma donzela, têm semelhanças com o fado de Coimbra; as cantigas de amigo, devido ao facto de serem produzidas pela voz da mulher que lamenta a falta do seu amado, deram origem ao fado de Lisboa que é, em maioria, produzido por fadistas femininas; as cantigas de escárnio e de maldizer, através das quais os trovadores expressavam sátiras, podem encontrar-se em algumas letras de fado com intenção de crítica político-social, típica desse estilo musical.
Os críticos dessa tese consideram-na superficial e pouco comprovada por um qualquer suporte documental, sendo a similaridade em termos dos temas e da forma poética entre as cantigas medievais e as letras da canção do fado uma evidência pouco convincente. Além disso, não se toma em consideração a inexistência de laços de transmissão direta entre ambas as formas, separadas por um longo período de quinhentos.
Um dos mitos mais interessantes e repetidos a respeito da origem do fado é aquele que afirma que ele tenha surgido no mar, o símbolo que tem ocupado a destacada posição na cultura portuguesa. A origem marítima, defendida por Pinto de Carvalho e Maria Luísa Guerra, está ligada á expansão marítima portuguesa que tem seu início do século XV, tendo como marco 1415 com a conquista de Ceuta; desde então as viagens marítimas foram uma constante na vida dos portugueses.
O marinheiro foi uma personagem importante nesse decurso, aquele que se lançava ao mar deixando para trás a família e sua terra e mergulhando em situações perigosas, arriscando sua própria vida. Cantar e tanger serviu-lhes como remédio, como um veículo de alheamento da sua realidade lamentável e do seu destino incerto. Assim, segundo os defensores dessa chamada “tese marítima”, as características nostálgicas e saudosistas desses cantos dos marinheiros deram origem ao chamado fado marinheiro o qual, segundo Pinto de Carvalho, foi o fado mais antigo de todos.
Estas canções comunicavam experiências e estados de alma, os temas principais eram, portanto, amor e saudade. Diferentes textos serviram de base para esta argumentação, entre os quais consta o poema de José Régio – “Fado Português” (1941) – que, num tom plangente e saudosista, introduz o tema do nascimento do Fado num contexto marítimo através dos vocábulos alusivos ao mar e da descrição da vida marinheiresca:
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro que,
estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal, olhar ceguinho de choro.
Porém, uma mera semelhança temática entre os cantos dos marinheiros e a canção do fado oitocentista não pode bem servir como argumento convincente para que esta tese possa ser considerada como reconhecida, como afirma Nery dizendo que uma hipotética origem marítima é “um clichê demasiadamente tentador para que a própria tentação poética do fado não se apresse a apoderar-se dele como um filão recorrente de inspiração temática até a atualidade”
A teoria mais aceite quanto à origem do fado remonta a uma dança existente no Brasil e que fez o caminho contrário das grandes navegações, indo da colónia para Portugal e passando, nesse país, de uma forma de dançar para uma maneira de cantar. Entre os principais defensores dessa teoria são Rui Viera Nery e José Ramos Tinhorão, que numa das suas obras, Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos: origens, de 2008, afirma que: […] levadas para Portugal, como acontecera em meados do século XVIII, como a fofa e o lundu, as danças do fado – acrescidas da contribuição melódico- sentimental das cantigas de «pensamento verdadeiramente poético» […] – iam percorrer o caminho próprio entre as camadas baixas de Lisboa, onde os brancos as tomariam dos pretos e mestiços para transformar-lhes a parte cantada em canção urbana a partir da segunda metade do século XIX.
Para melhor ilustrar essa hipótese, os autores disponibilizam vários relatos de geógrafos e viajantes estrangeiros que demonstram a existência de uma dança chamada fado em terras brasílicas: em 1817 o viajante francês Louis Freycinet em que cita “los fados” como uma dança lasciva da população; − em 1819, o Poeta Falmeno menciona “os bailes do fado”; − em 1825, o alemão Karl do Exército Imperial brasileiro, relata a passagem em que uma negra se dispõe a dançar o fado; − em 1827, outro alemão, durante sua estadia no Rio de Janeiro menciona o fado no contexto de danças brasileiras; − em 1854, na obra “Memória de um Sargento de Milícias” de Manuel Antônio de Almeida há relato sobre bailar o fado nos tempos do rei.
Esse conjunto de fontes é considerado um exemplo explicativo do primeiro tipo de fado de que se tem conhecimento nos registos históricos em português. Contudo, este ainda está longe de ser o fado português como hoje o conhecemos. Mas, segundo Nery, constitui o foco da sua origem devido às
semelhanças performativas, dos traços melódicos, harmónicos e rítmicos, que se encontram nos primeiros fados portugueses.
Segundo a última hipótese, o fado tem origem portuguesa, descendendo diretamente do romanceiro, o canto narrativo tradicional, cuja origem remonta à Idade Media. Essa origem portuguesa é defendida pelo investigador José Alberto Sardinha que, através de uma investigação rigorosa e profunda junto das comunidades rurais de todas as províncias, descobriu uma antiga tradição poético-musical comum a todo o país que constitui a génese do fado: o canto narrativo.
Representado pelo romanceiro tradicional desde o século XVI, o canto narrativo foi perdendo o seu carater épico inicial, novelizando-se progressivamente até versar quase exclusivamente os assuntos de carácter amoroso ou trágico-sentimental, e foi difundido pelas feiras e ruas de todo o país graças aos músicos ambulantes que o interpretaram e popularizaram. São esses os fados primitivos, a que pejorativamente se chama fados da desgraçadinha ou de faca e alguidar, e é aí que se situa a origem, a raiz do fado, segundo a convicção de Sardinha.
O investigador refere que o fado é um poema narrativo, um texto poético, para além de ser considerado um género musical. A despeito de aumentar o número dos estudos que se tem feito sobre o género, as verdadeiras origens continuam na sombra. A maioria dos investigadores consente na ideia de que o fado, mais provavelmente, não teria nascido de uma só origem e que, para se criar uma opinião e um trabalho verdadeiramente objetivos, é imprescindível levar em consideração todas as teorias existentes. Porém, o que se pode afirmar é que o fado, independentemente das suas origens, terá sofrido alterações ao longo do tempo, não tendo aparecido espontaneamente com todas as singularidades e características que hoje conhecemos, tendo-se manifestado inicialmente em Lisboa em meados do seculo XIX, ou em 1840, segundo Pinto de Carvalho e José Alberto Sardinha defende a origem portuguesa do fado.
A construção do fado como género musical está ligada ao processo de urbanização que Portugal começou a passar no início do século XIX e com isso de uma nova constituição social nas cidades, especificamente em Lisboa. As destruições decorrentes das lutas políticas e das guerras liberais entre os anos 1928 e 1934 atraíram uma população numerosa de origem rural, conduzindo a um aumento populacional bastante considerável e a uma expansão da área urbana. A esse grupo há que acrescentar os retornados do Brasil, antes e depois do regresso da família real e da independência do Brasil, as classes feridas pelas novas reformas de constitucionalismo, como clero e criadagem das antigas casas nobres, ou os escravos negros libertados. Constitui-se assim uma nova classe urbana, os proletários, juntados nos bairros pobres de Lisboa, partilhando a mesma miséria e a mesma luta pela sobrevivência.
Nesse universo de pobreza o contrabando, o jogo clandestino, o roubo e a prostituição eram os motores principais da economia. Surgem tabernas e bordéis, lugares de encontro masculino, em que a presença feminina está ligada à prostituição. É nesta atmosfera boémia que as canções e danças populares estão presentes. Os testemunhos escritos da época referem-se a esses espaços lisboetas, de boémia e prostituição, pelo nome de “casas de fado”, e, nesse ambiente, era usual identificar a mulher que cantava o fado como prostituta. Esses bordéis e tabernas tornaram-se os espaços de diversão, ideais para se cantar as amarguras, as tristezas e os desencontros dessa classe marginalizada. Assim, foi no ambiente de lazer das classes populares na cidade de Lisboa que se criou o lugar do fado e foi uma prostituta, Maria Severa, sua primeira grande personagem.
O fado nessa época ainda representava a não separação entre música e dança. A dança, prática muito mais masculina que feminina, podia ser de duas formas: bater o fado e dançar o fado. A dança do fado assemelhava-se à encontrada no Brasil, já o bater o fado era uma dança entre duas ou três pessoas, onde uma apara e o outro bate. É nessa época que aparecem as primeiras formas melódicas do fado, que só serão escritas no século seguinte, as primeiras temáticas matriciais do fado, assim como o reconhecimento dos primeiros fadistas.
É nesse período do enraizamento bairrista que aparece a figura de Maria Severa Onofriana, a mítica representante do fado lisboeta de meados do século XIX, identificada como a primeira mulher a cantar, tocar e dançar o fado. Maria Severa era uma prostituta que morava no bairro popular da Mouraria e que possivelmente nasceu em 26 de julho de 1820 e morreu em 30 de novembro de 1846. Tal como sua mãe, tornou-se prostituta muito cedo, mas depressa sobressaiu nesse meio, não só pela sua beleza, como pelos seus dotes de cantadeira de fado.
Como prostituta, Severa mantinha relacionamentos amorosos com vários amantes, mas tornou-se conhecida devido à relação amorosa com o Conde de Vimioso, à frente de uma das famílias aristocráticas mais distintas de Portugal. Ele a convidava frequentemente para se apresentar nos salões da aristocracia, conferindo-lhe assim as oportunidades de exibição perante o público jovem oriundos da elite social e intelectual portuguesa. Devido a esse relacionamento amoroso com um membro da elite lisboeta, Severa possibilitou uma primeira visibilidade do fado para além do seu contexto social de marginalidade.
Apesar de se tratar de uma mera história de amor, a verdade é que essa relação contribuiu para sedimentar um lugar do fado no seio das diferentes camadas sociais, uma vez que podia circular livremente entre as ruas dos bairros populares de Lisboa e os palácios dos fidalgos, o que levou à construção de uma nova imagem para esse género musical. Após a sua morte passou a ser idolatrada entre os populares, dadas as suas características de fadista. Terá sido o ponto de partida para uma série de homenagens que lhe foram feitas, por exemplo, nas letras de fados, em panfletos e periódicos e,
até, no mundo do cinema.
Além da figura da Severa que ressalta por sua dimensão mítica, nas décadas fundadoras do fado, 1840, 50 e 60, apareceram outros nomes ligados à prática fadista, registados pelos biógrafos do fado da década 1900, como Pinto de Carvalho e Alberto Pimentel, quase todos ligados ao mesmo tipo de vida bairrista, relacionando-se no mesmo ambiente marginal. No que diz respeito às fadistas, trata-se sobretudo das companheiras da própria Severa, entre os quais pode-se nomear Carlota Scarniccia, que além de cantar o fado, tocava piano e guitarra, Bebiana Viera de Castro, irmã do célebre parlamentar Viera do Castro, ou Custódia Maria, que cantava e compunha as composições.
Na década de 1860, surgiu ainda o primeiro nome de uma fadista não oriunda do circuito da prostituição: Cesária, operária de uma fábrica de Alcântara, revela uma voz e talento que ficarão na memória. Relativamente aos homens, os primeiros fadistas que se destacam, são, nomeadamente, José Norberto, O Saloio de Campolide; o Sales Patuscão, moço de forcados do Conde de Vimioso e um dos possíveis autores do Fado do Vimioso; o Sousa do Casacão e o Paixão, cantores e guitarristas.

 

Playlist:
00:00:19 Manuel De Almeida – Não vale a pena
00:04:59 João Braga – António Batista
00:07:50 Maria Da Fé – Castigo de Deus
00:10:59 Alfredo Marceneiro – Rainha Santa (Fm)
00:15:09 Aldina Duarte – Andei a Ver de Ti
00:18:25 António Rocha – Resignado
00:22:06 Tony de Matos – Só nós dois é que sabemos
00:25:32 Júlia Silva – Ciúme é chama maldita
00:28:44 Carlos Macedo – A Tagarela
00:31:55 Amália Rodrigues – Fado Final
00:36:34 Francisco Martinho – Na Vida De Uma Mulher
00:39:39 Tony Reis – José António 4ªs
00:42:37 Lucília Do Carmo – Podemos Ser Amigos
00:46:44 Fernando Maurício – O Sótão da Amendoeira
00:50:30 Celeste Rodrigues – É Noite Na Mouraria
00:53:43 Alfredo Marceneiro – As fontes da minha aldeia

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Publicação: Catarina Pereira
Foto(s): Direitos reservados

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Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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