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A portugalidade de NoA com as flautas mágicas de Rão Kyao no Ovar em Jazz

Escrito por em 17/04/2025

Chegamos ao segundo dia do Ovar em Jazz, com o cartaz a destacar um nome sonante: NoA e Rão Kyao.

Não segura, mas sem duvidar disso quanto a NoA; Rão Kyao é um nome que todos nós já ouvimos pelo menos uma vez na vida, mesmo que nem sempre o pronunciemos bem… Isso já é outra história e, se por acaso ouvirem “Rão Kyão” ao longo da entrevista, apresento desde já as minhas desculpas!

Falemos dos NoA. Enquanto escrevo estou a ouvi-los a solo e, como incurável curiosa que adora interrogar-se porquê quando ouve música, deleito-me quando as coisas me chegam separadas umas das outras, permitindo-me dissecar mais a fundo…

Passei quase todo o primeiro tema a tentar perceber que memórias me traziam, sem chegar a grandes conclusões; o que não deixa de ser interessante. A primeira sensação foi de uma estranha universalidade, algo já antes experienciado no Ovar em Jazz; e que muito valorizo. Sou transportada até ao concerto de Abe Rábade, no ano passado, que estando longe da forma mais convencional e, digamos, “tradicional“ do Jazz; foi uma das experiências mais memoráveis a que assisti no festival, senão de todos os espetáculos de Jazz que já presenciei…

Deixando os apartes de parte (e inventando uma expressão idiomática onde ela não existe), algo que apreciei imenso nos NoA, para lá do groove inalienável; foi a combinação tímbrica. Exemplificando, no segundo tema, sobretudo no início, a combinação entre a bateria e a guitarra é magnífica e extremamente interessante; fazendo-me lembrar Portishead, em jeito de grande elogio; pois a sonoridade e texturas tímbricas, particularmente na manipulação sonora e eletroacústica, são algo absolutamente fantástico.

Avançando na audição, não poucas vezes os padrões de bateria e guitarra se aproximam de um rock a puxar para o indie softcore, talvez ao estilo de Big Thief/Adrianne Lenker, ou Boygenius/Phoebe Bridgers, embora mais intensos, muito por culpa da bateria, superinteressante, a rondar uma boa “rockalhada”…

Á medida que o concerto progride, sinto-me invadida por interessantes contrastes, mais assíduos na linha do tempo. Num instante estamos num registo mais “fofinho”; de repente já ouvimos um estilo próximo de Sonic Youth ou The Strokes!

Inquestionável, portanto, a influência rock dos NoA. Eis que, no meio de tudo isto, à mistura com uma bateria que não esquecerei, entra em cena a lenda viva que todos aguardam ouvir: Rão Kyao, acompanhado das suas (várias) flautas.

Desculpem-me o termo engraçado, mas é isso mesmo que se torna ouvir uma flauta de bisel no meio de um combo de Jazz. Perdoem-me a expressão, mas é verdade…

Já se tornou tão habitual ouvirmos um daqueles sons perfurantes de metal, vindos do trompete ou de um saxofone, que ouvir ali a flauta de bisel (expulsa dos ensembles clássicos devido à sua falta de projeção), “a destrocar” (passe o calão) como nunca antes, nas mãos de Rão, foi no mínimo inspirador!

Tendo a flauta de bisel um timbre extremamente próprio, acaba por ser um dos instrumentos com som mais particular do atual panorama académico, não tendo sido alvo de certos “aperfeiçoamentos“ pelos quais alguns instrumentos passaram ao longo da história da música. Esta referência encaixa na mesma medida em que se vos falar de charamelas e sacabuxas provavelmente não terão ouvido estes instrumentos muitas vezes. Mas reconhecerão facilmente o clarinete, ou o trombone de vara, sobretudo nas suas vertentes mais modernas.

Sem querer divagar muito sobre a evolução dos instrumentos, assunto que daria uma dissertação, regresso à música que estou a ouvir, para vos falar mais sobre ela; sendo garantido que subsistem instrumentos, ensinados nos conservatórios, como a flauta de bisel e o cravo, que resistiram a “mutações” ao longo dos tempos, talvez por terem sido relegados para segundo plano após o período Barroco.

Tudo isso se materializa numa flauta com um som muito mais natural, visceral e de certa forma, macio do que a transversal; com um som muito menos redondo e perfurante, criando timbres impressionantes que me impressionam particularmente nos temas de Kyao, sempre muito bem articulados pelo piano; revelando uma abertura e fusão musicais exímias. A própria etnomusicologia, que adoro, a par das culturas musicais incorporadas, escolhidas de forma muito inteligente e consciente são magníficas e reveladoras de conhecimento e sensibilidade realmente meritórios na perícia de uma lenda viva como Rão Kyao.

Não poderia deixar de lado algo de que gostei muito e em crescendo ao longo do concerto; a linguagem harmónica. É Jazz, claro que a linguagem harmónica é interessante, mas num Jazz tão groovy, intenso, eletrizante e “rockeiro“, sempre com uma vertente tão viva e feérica, o ambiente torna-se imaculadamente cativante. O grupo tem uma energia que me encanta, sentindo-se a garra e a paixão por tocar, a proficiência nata e apaixonante, uma das melhores sensações que, como músico, se pode ter ao tocar em grupo. E que se torna fenomenal quando quem assiste o consegue sentir…

Elogio o estilo e a colaboração, claramente bem-sucedidos, não só entre os elementos da banda, como também com Rão Kyao, cujo talento não precisa da aprovação de uma aspirante a música como eu, falando por si. Uma experiência memorável e sobretudo cheia de transparência, com energia direta e contagiante!

Resta-me recomendar que ouçam o mágico trabalho apresentado, que deu o título ao concerto: o disco “Concavexo”. E que ouçam, também, a gentil entrevista que nos deram após o concerto. Interessantíssima, permite-nos uma perspetiva mais aprofundada do projeto, a par de algumas perspetivas e opiniões dos artistas sobre a música em geral; onde revelam o seu conhecimento e sensibilidade na matéria. Até porque todos estamos sempre a tempo de aprender um pouco mais sobre este apaixonante ramo da arte.

Vou-me manter atenta a NoA, acompanhando-os num futuro que, estou certa, será cada vez mais estratosférico!

Clique no player para ouvir a entrevista de Mariana Rosas aos artistas:

Entrevista a NoA e Rão Kyao


Fotos:  Ovar Cultura
Texto: Mariana Rosas

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