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“O Futuro da Universidade” em debate pela Plataforma Cidades: “O Desafio do Superior em Portugal”

Escrito por em 22/09/2022

No próximo sábado, dia 24, a Plataforma Cidades promove o encontro “Quo Vadis Universidade”, o primeiro do ciclo de debates de “O Futuro da Universidade”. O evento terá lugar na Casa de São Sebastião, no nº. 42 da rua de Aveiro com o mesmo nome, entre as 10h00 e as 17h00.

A parte da manhã será reservada aos membros da Plataforma Cidades e a sessão da tarde, das 14h30 às 17h00, será aberta ao público, após inscrição para o email plataformacidades.op@gmail.com. O encontro será centrado nas intervenções e reflexões de António M. Feijó, Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e de Paulo J. Ferreira, Reitor da Universidade de Aveiro (UA).

Para promover um encontro e um debate ativo e consciente, a Plataforma Cidades está a disponibilizar artigos de opinião sobre a temática.

Seguem-se dois artigos de opinião de Teresa Beirão, Economista e Mestre em Inovação e Políticas de Desenvolvimento.

Desafios do Superior e memórias de um outro outono #1

Corria o início do outono de 1969 e, nos meus ainda 16 anos, eu era uma recém-chegada à Universidade. Naquela tarde exploratória em que vi horários e deambulei pelo convento do Quelhas, entrar na cantina do ISCEF foi mergulhar num “admirável mundo novo”.

Ao som da voz de Violeta Parra, era grande a azáfama associativa e fortíssimas as mensagens dos comunicados agrafados por todo o lado. No meio deles, um enorme cartaz em papel de cenário com colagens de recortes de revista, belas casas com piscina, carros topo de gama, e, pormenor não despiciendo e algo machista que logo ali me chocou, raparigas giríssimas em pose de modelo. Escrita a marcador vermelho, a pergunta: “É para poderes comprar tudo isto que andas a tirar o curso?”. Apesar da estética algo duvidosa, o certo é que durante os 5 anos letivos que por lá passei nunca mais esqueci o bom do cartaz.

De facto, para além de estudar Economia, os meus colegas e eu questionámo-nos muitas vezes sobre o que aprendíamos, para que aprendíamos, que sociedade queríamos construir e qual o papel da universidade nessa construção. Depois, a famosa “infraestrutura” económica e a implacável demografia fizeram das suas e seguimos o nosso caminho – outros assuntos foram-nos preocupando muito mais…

O Ciclo de Encontros “A Universidade e o Futuro”, lançado pela Plataforma Cidades, trouxe-me à memória esse tempo de grandes interpelações.

Enquanto membro do Grupo de Trabalho, e na linha definida de analisar, resumir, anotar e, eventualmente, emitir opinião sobre documentos relacionados com o tema, comprometi-me a dar atenção aos produtos resultantes da iniciativa “Desafios no Ensino Superior”, em julho levada a cabo pela Fundação Francisco Manuel dos Santos [FFMS], o vídeo (*1) e a gravação de um debate radiofónico (*2), disponíveis na página da Fundação. Vi-os e ouvi-os, analisei-os, selecionei o que me pareceu mais relevante, agrupei ideias, questionei-me.

Deste trabalho resultaram os documentos que agreguei sob o título “Desafios do Superior e memórias de um outro outono”.

O primeiro deles é esta nota prévia, o segundo o resumo do documentário em vídeo da FFMS (*3). No terceiro procura-se, com a ajuda de bibliografia adicional, analisar em perspetiva a relação Economia/Educação. Finalmente, no quarto, e uma vez que preparamos um encontro de cidadãos, ousa-se a “opinião pessoal”.

Esperando que possam ser úteis, serão agora partilhados, em conjunto ou sequencialmente.

(*1) https://ffms.pt/pt-pt/ffms-play/documentarios/ensino-o-desafio-do-superior-em-portugal
(*2) https://ffms.pt/pt-pt/ffms-play/da-capa-contracapa/desafios-do-ensino-superior-em-portugal
(*3) O resumo do debate será oportunamente disponibilizado

Teresa Beirão

Desafios do Superior e memórias de um outro outono #2

Resumo do documentário “O Desafio do Superior em Portugal”(*1)

1. A Importância da formação e do ensino

Pedro N. Teixeira (*2): não tendo o país grandes recursos naturais e possuindo uma localização periférica na Europa, urge apostar em formação e ensino. Só assim se conseguirá melhorar o nível de vida e combater os efeitos da desertificação e do envelhecimento.

2. Grandes mudanças e uma questão

Em 1974 frequentavam o superior 40 000 alunos; neste momento, são 400 000 os matriculados. Existiam 4 universidades; hoje, são 14 e 25 os politécnicos. A actividade científica era reduzida e baixo o número de doutorados, em particular o de mulheres.

Em 2019, o país diplomou com grau superior 83 193 alunos, 53 000 dos quais obtiveram emprego. Pelo último censo, o número de graduados aumentou 47,5% face a 2011, sendo agora 17,4% o seu peso no total de residentes.

No entanto, em 20 anos passámos por 4 crises e a produtividade estagnou. Questiona-se: está o Superior a “cumprir”?

3. Aspetos sociológicos

Mª de Lurdes Rodrigues (*3): alunos de meios sociais frágeis têm mais dificuldades no acesso e na conclusão dos cursos; muitos dos que hoje frequentam o superior são os primeiros da família a fazê-lo, o que induz atitudes menos confiantes. Uma especificidade portuguesa no contexto europeu é o facto de as despesas com os estudos universitários serem sobretudo suportadas pelas famílias.

Um estudante afirma: “mesmo com apoio social (não pagando propinas), e porque me encontro deslocado de casa, os meus pais gastam comigo cerca de 550 a 600 € por mês.”

Pedro N. Teixeira: existe “competição” entre famílias e alunos nos acessos e o rendimento e as habilitações dos pais influenciam as escolhas e os percursos dos filhos.

4. A lacuna da formação secundária e o “choque” dos locais de trabalho

Cláudia Sarrico (*4): mais de metade dos trabalhadores portugueses não possuem educação secundária completa, e esta falha fragiliza o país. Dos empregadores, 47,5% têm apenas o ensino básico, contra 16,4% na U E. Uma vez nos locais de trabalho, os diplomados pelo superior não conseguem exercer as suas competências, “abafados” por chefes e colegas que não os deixam desabrochar.

Recém-empregados: os empresários remetem-nos para tarefas rotineiras, cerceiam a possibilidade de interferir em decisões de fundo. Frustradas as expectativas, partem na demanda de outros ambientes laborais.

5. Universidades: financiamento, burocracia, endogamia

Tiago Neves Sequeira (*5): financiamento do Superior é 16 a 30 vezes menor que noutros países.

Clara Raposo (*6): as questões de financiamento são relevantes, mas é possível as universidades obterem mais dinheiro, problemática é a complexa teia de regras que as limita.

António Feijó (*7): grave o problema da “endogamia”. Em Portugal, 70% dos docentes formaram-se na própria universidade. Nalguns casos, a proporção chega aos 90%. Os doutorados pelas universidades, mantendo-se nelas, perpetuam a cultura existente.

6. Que esperam as empresas dos diplomados?

Em 2020 desapareceram 168 000 empresas, mas também se formaram 155 000. Que empresas são? Aumentarão a produtividade? Que tipos de trabalhadores procuram?

Tiago Neves Sequeira, corroborado por Cláudia Sarrico: com o mundo do trabalho em constante mudança, é importante que a Universidade forme para responder às necessidades da economia, mas também que desenvolva a capacidade de pensar. Se é facto que a U E tem dado prioridade à formação nas áreas CTEM (*8), Artes e Humanidades não devem ser descuradas. Segundo Pedro N. Teixeira, os empresários esperam que os diplomados cruzem áreas disciplinares.

7. Como convergir?

Pedro Martins (*9): fundamental a relação universidade-empresa.

Pedro N. Teixeira: o termos empresas de intensidade tecnológica elevada deve-se ao superior.

As empresas estão mais inovadoras e o seu investimento em I&D, embora insuficiente, é muito maior do que era. Sendo a absorção empresarial de doutorados muito menor do que a média europeia, alguns optam por fundar start-ups, mas muitos “fogem” para o sistema de ensino ou para o estrangeiro.

Clara Raposo: poderá desenvolver-se em Portugal uma economia qualificada, mas, como muitas das empresas de ponta se formam com capital estrangeiro, é difícil fixá-las. Aqui, tal como para os estudantes estrangeiros que vêm estudar e regressam, o país funciona aqui como “barriga de aluguer”.

Bluepharma, Chemitek, Tuga Innovations: empresas “ouvidas” no documentário, com as suas ideias e especificidades.

Tiago Neves Sequeira: empresas inovadoras e sistema de ensino superior são fundamentais para inverter a divergência face à Europa.

Mª de Lurdes Rodrigues: instituições de ensino superior são a alavanca, sendo preciso aumentar o financiamento e actualizar a regulamentação.

(*1) https://ffms.pt/pt-pt/ffms-play/documentarios/ensino-o-desafio-do-superior-em-portugal
(*2) Professor da Faculdade de Economia do Porto, director do Centro de Investigação em Políticas do Ensino Superior
(*3) Reitora do ISCTE e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
(*4) Professora catedrática de Economia e Gestão, Minho, investigadora no Centro de Investigação em Políticas do Ensino Superior
(*5) Professor de Economia, Coimbra, membro da unidade de investigação Centre for Business and Economics Research e do Observatório de Economia e Gestão da Fraude
(*6) Professora catedrática do ISEG, sua directora
(*7) Professor catedrático, Faculdade de Letras de Lisboa; actualmente, presidente da Gulbenkian
(*8) Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática
(*9) Professor catedrático, Nova School of Business

Pode partilhar a sua reflexão e opinião, sobre o que defende ou lhe pareça oportuno com a Plataforma Cidades, através do email plataformacidades.op@gmail.com.

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Fotos: Direitos Reservados
Publicado por: Irina Silva

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