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Mi-Fá-Dó-Sol | 16 Nov 2023

Carlos Reis e Dino Marques 16/11/2023

 

 

 

Emissão: 16 de Novembro 2023

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

 

 

Destaque: Nomes do Fado

Muito andava em torno da mítica figura de Maria Severa, uma mulher que, seguindo o caminho da prostituição, tal como a sua mãe, mostrou dotes de “cantadeira”. A sua voz ecoava, assim, entre diferentes tabernas e tertúlias da cidade. No entanto, após conhecer o Conde de Vimioso, de seu nome Francisco de Paula de Portugal e Castro, deparou-se um aristocrata que sabia tocar guitarra e que elevou a sua voz para novos palcos, tanto musicais, como sociais. Foi uma fase em que os nobres encaravam com curiosidade a música que nascia naqueles lugares e que a levaram para os grandes salões aristocráticos.
As turbulências políticas e sociais do século XIX também aprofundaram o apego da população àquela música que era tão íntima e pessoal. A sua história seria tão célebre que seria “adaptada” para a literatura por Júlio Dantas, com “A Severa” (1901). Trinta anos depois, o cineasta Leitão de Barros colocou a obra no cinema, naquele que seria o primeiro filme sonoro nacional.
Apesar da afeição de Severa a meios sociais mais abastados, o fado nunca prescindiu da sua vocação popular e citadina. Assim, foi descobrindo-se em diferentes manifestações culturais, como festas de beneficência, associações recreativas ou peças de teatro de cariz local. Corriam, ainda, os tempos pré-Estado Novo, antes que a censura regulasse estas manifestações populares e um tanto ou quanto intervencionistas. Isto sem antes se aliar ao teatro de revista, que ajudou a impulsionar na forma como retratava a vida boémia e em como dotava de melodias as peripécias diárias dos seus protagonistas.
E foi precisamente na revista que o fado foi subsistindo, sem se tornar tão polémico, sendo interpretado por grandes vozes que as aliavam à capacidade de representação no palco. O fado, de igual modo, conheceu duas vias de expressão: o falado – João Villaret, importante nome do teatro, cantaria sobre ele – e o dançado.
Ainda nos palcos, apareciam figuras como Hermínia Silva, que dava voz ao fado musicado, àquele que procurava potenciar o melhor da guitarra portuguesa, e que ia formatando aquilo que se conhece como o fado tradicional. Assim, em plena revista, manifestava os primeiros sinais do surgimento da “canção nacional”, orientadas por compositores-maestros e acompanhadas por grandes orquestras. A sua fama seria tal que chegaria ao cinema, onde continuaria a mostrar os seus dotes vocais e a conquistar o país.
Metricamente, o fado fixava-se numa estrutura conhecida como a “décima”, constituída por quatro estrofes de dez versos, orientadas pelo convite ao instrumento de cordas, onde se destacou a já mencionada guitarra portuguesa. De Lisboa, esta música começava a dispersar-se um pouco por todo o país, beneficiando de uma ampla cobertura mediática nos jornais e de uma maior recetividade a concertos em diversos espaços do país.
A aliança entre o fado e o teatro abria a possibilidade de se formarem grupos e destes fazerem autênticas digressões, tanto dentro como fora do país. Entre esses grupos, destaque para o Grupo Artístico dos Fados, o Grupo Artístico Propaganda do Fado e a Troupe Guitarra de Portugal.
Nestes grupos, iam surgindo outros nomes para lá de Hermínia Silva. A “loucura dos fadistas”, Berta Cardoso, fez da sua voz pujança para uma presença mediática em casas de fado e em teatros de revista. Armando Augusto Freire (ou Armandinho) acompanhava a sua emergência quase abrupta, após dedilhar o bandolim com um génio pouco comum então e fazendo-o no acompanhamento da voz de Berta Cardoso, na guitarra portuguesa.
A primeira a viajar pelo estrangeiro e a fazer uso da sua voz seria Ercília Costa, a “santa do fado”, indo a França e aos Estados Unidos na década de 1930. Vozes masculinas também iam surgindo, como a de Alfredo Marceneiro, um autêntico contador de histórias que começou em bailes populares e lançaria o célebre álbum “The Fabulous Marceneiro” (1961), e Tony de Matos. De igual modo, ganharam protagonismo Carlos Ramos, fadista e guitarrista, Maria Amélia Proença, a grande voz do fado castiço (o mais típico e bairrista), assim como Fernando Maurício, Maria Teresa de Noronha, que, com uma voz polida e com uma dicção exímia, deu à luz o fado aristocrático, Lucília do Carmo, a mãe de Carlos do Carmo, e o cantor Manuel de Almeida.
Apesar do mercado discográfico em Portugal ainda ser bastante limitado, de acesso caro e difícil, na década de 1920, a invenção do microfone elétrico e a descida dos preços dos gramofones ajudaram a que os discos pudessem ser gravados com maior naturalidade. O Rádio Clube Português, a CT1AA e a Rádio Graça iam iniciando as primeiras emissões radiofónicas em Portugal, e faziam-no com o fado, investindo em mecanismos técnicos e logísticos para rechear as emissões com cultura e música, onde se inclui o fado.
Com a chegada da ditadura em Portugal, foram várias as transformações que limitaram a expressão do fado, tanto pelos meios de comunicação, como nos próprios espetáculos. As casas e os recintos seriam frequentemente fiscalizados e as concessões de licenças para a exploração dos espaços culturais seriam bem mais apertadas. Os próprios repertórios e as linhas programáticas seriam revistas (o espaço para o improviso era quase inexistente), assim como regulamentações para a profissionalização das diferentes partes envolvidas, entre promotores e artistas. A formalidade teria de aumentar na apresentação dos artistas, assim como a própria burocratização e especialização das suas carreiras, o que, por outro lado, lhes permitiu atuar em diferentes espaços para maiores públicos.
As casas de fados tornaram-se, assim, os locais preferenciais para a audição de fados, em especial no coração de Lisboa, o grande núcleo do género musical. Nelas, criavam-se ambientes próprios, em espaços de convívio entre indivíduos bem-apresentados e apessoados, que formavam, desde logo, quase como um núcleo duro de colaboradores. As gravações dos discos acabariam por, de certa forma, instituir vozes e práticas-modelo para a interpretação das canções e para os próprios espetáculos.
Os revivalismos também fariam parte, de forma a não descurar as origens e as fragrâncias pitorescas do fado. Com o aparecimento do cinema sonoro, ocorreu essa maior transposição da música para os filmes que se produziam em Portugal. Seria neste mundo que nomes conhecidos do fado veriam o seu protagonismo a brotar definitivamente. Amália Rodrigues, em “Capas Negras”, de Armando de Miranda, e “O Fado, História de uma Cantadeira”, de Perdigão Queiroga (1947), veria a sua carreira ganhar um novo fôlego, assim como aconteceria com Fernando Farinha, o célebre “miúdo da Bica”, num filme que lhe deu esse mesmo nome, da realização de Constantino Esteves. Também no cinema ganhariam expressão nomes, como a cantora Deolinda Rodrigues, o guitarrista Raul Nery e o compositor Jaime Santos.

 


Playlist:
Fernando Maurício – Voltei ao cais da partida
Manuel De Almeida – quando me lembro criança
Carlos Macedo – O fado que te canto
Manuel Delindro – Marinheiro em alto mar
Maria Teresa de Noronha – Minha cruz
Pedro Moutinho – Madrugadas Serenas
Jorge César – Há festa na mouraria
Ana Sofia Varela – Rosa Nocturna
José Fernandes – Paixão de mel
Tony de Matos – Amantes
Fernanda Moreira – O Manjerico
Amália Rodrigues – Quando os outros te batem beijo-te eu
Beatriz da Conceição – Quem mora naquela rua
Cidália Moreira – Fado Errado
Maria do Céu Correia – Quem o Fado Caluna

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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados

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Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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