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Mi-Fá-Dó-Sol | 30 Nov 2023

Carlos Reis e Dino Marques 30/11/2023

 

 

Emissão: 30 de Novembro 2023

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

 

 

Destaque: A evolução do Fado

 

Com a chegada da televisão – e da Rádio Televisão Portuguesa em 1957 -, a divulgação do fado tornar-se-ia ainda mais exponencial. Às vozes, associar-se-iam os rostos com recriações em estúdio de ambientes tipicamente de espetáculos de fado e com programas relativos ao género musical. Estava em plenos “anos de ouro”, com o surgimento, de igual modo, do concurso anual da Grande Noite de Fado, ainda hoje celebrado no Coliseu dos Recreios, não deixando de zelar pela longevidade das tradições do fado.
Com condições de gravação discográfica e de realização de digressões reunidas, o fado era cada vez algo mais institucionalizado, desdobrando-se numa autêntica rede de casas de fado, que dispunham de elencos residentes. O próprio regime aproveitou a franca popularidade deste género musical para, a partir do seu Secretariado Nacional de Informação, Cultura e Turismo, da Inspeção Geral dos Espetáculos e da Emissora Nacional, colocar o fado a seu lado. O mesmo fez quando Amália Rodrigues conheceu a repercussão internacional que a celebrizou um pouco por todo o mundo.
Isto porque era a voz a verdadeira força motriz do fado, que eleva os repertórios e as evocações populares feitas.
A poesia popular era frequentemente adaptada e os seus cancioneiros interpretados em prol das temáticas do amor, da sorte, do destino e, tanto quanto possível, de causas sociais, camufladas nos seus esquemas rítmicos e estruturais e no engenho das estrofes escritas. A riqueza do ritmo e dos versos anteviam, desde logo, uma mistura entre a cultura popular e a cultura erudita, herança dos grandes poetas portugueses. O anonimato desses compositores foi-se esfumando com o aparecimento de nomes consumados da poesia popular, como Henrique Rego ou João Linhares Barbosa.
Porém, Amália também ajudaria a colocar a poesia mais erudita e intelectual na vida do fado, com a chancela do editor e compositor lusofrancês Alain Oulmain. Assim, seriam popularizados fados da autoria de David Mourão-Ferreira (“Barco Negro”, “Sombra” ou “Maria Lisboa”), José Régio (“Fado Português”), Alexandre O’Neill (“Gaivota”) ou Leonel Duarte Neves.
Amália potenciava, assim, a sua fama internacional, algo que não seria possível sem a vaga anterior na década de 1930, em especial em torno de África e do Brasil. Porém, é inseparável a superação da barreira linguística para com o exterior que Amália conseguiu realizar e que, com isso, resgatou o seu protagonismo no panorama do fado e da própria cultura nacional.
Protagonismo também vinha arrecadando a guitarra portuguesa, totalmente artesanal, e que se consolidava como o grande acompanhamento da voz no fado. Desde o mestre Álvaro da Silveira e de João Pedro Grácio, dois nomes preponderantes na construção e refinação deste tipo de instrumentos, o palco foi dos seus intérpretes, onde a família Paredes (Gonçalo, o filho Artur e o neto Carlos) foram mestres e senhores com base em Coimbra, dando o mote para a fundação do fado Coimbrão; mas também José Fontes Rocha, do Porto, Álvaro Martins dos Santos, também ele do Norte, e Fernando Alvim, um dos grandes parceiros de Carlos Paredes. No âmago da formação, estava o professor Martinho de Assunção, violista e compositor, e os membros do Conjunto Guitarras de Raul Nery, com Fontes Rocha, Júlio Gomes e Joel Pina.
Os intérpretes trajavam de negro, que cantam de noite com a alma e procuram apelar às profundezas da alma coletiva nacional. Ressuscitam os seus sofrimentos, invocam o sentimento da saudade e deambulam entre os bens e os males do coração, sem deixar esquecer os cenários de miséria e de degradação emocional, que a cidade, com as suas alas sombrias e sinuosas, acentua ainda mais.
É a trepidação das cordas e a amplitude do comprimento da voz que ajudam a combater essa toada abúlica e triste, buscando a elevação do espírito e da alma. São nuances que remontam às suas origens, a um século XIX profundamente romântico, onde se enaltecia um subtil espírito de esperança perante a apatia de um povo e a agonia vivida no seu dia-a-dia, com condições precárias e penosas.
No entanto, e de Coimbra, nasceu o mencionado fado Coimbrão, com raízes académicas e trovadorescas. Os estudantes que iam para lá estudar levavam as suas guitarras e, envergando o traje académico, nas noites rigorosas da cidade, cantavam nos seus lugares míticos, em especial em frente à Sé Velha, no seu Largo. Desses cantares, nasceram as serenatas, com as tais raízes trovadorescas, em que o amante procura, através da canção, conquistar a dama, que, à janela, assiste a este galanteio.
Este mesmo fado Coimbrão é, também ele, composto pela voz e pelas cordas, por uma guitarra portuguesa e por uma viola. Aquilo que, musicalmente, é diferenciado é a afinação das cordas um tom abaixo, para além da própria execução ser adaptada para uma projeção mais pesada e carregada, que vai de encontro à amplitude do exterior. As paixões dos estudantes e a devoção nutrida pela cidade são temas prementes e permanentes na sua música, dando origem a baladas que, com a contestação ao regime a ouvir-se mais ruidosamente, começaram a ganhar contornos mais de resistência e de intervenção.
Quando se fala deste fado, não se pode deixar de mencionar o viseense Augusto Hilário, um célebre compositor e cantor que deu origem ao “Fado Hilário”, que tanto mobilizou os estudantes de Coimbra, o intérprete António Menano e Edmundo Bettencourt, compositor de “Saudades de Coimbra”. Outras variantes locais surgiram, tais como o fado vidualeiro, da aldeia de Vidual, em Miranda do Corvo, ou até o fado marialva, com origens ribatejanas e com temáticas relativas à tauromaquia.
Com a chegada da Revolução de Abril, que democratizou o país e que, de certa forma, massificou as manifestações culturais, sociais e cívicas, houve abertura para um teor mais interventivo, mas também, aproveitando as dinâmicas globais, para absorver outros géneros musicais. Isto ajudou a que o fado pudesse sobreviver à hostilidade que recebia no pós-Revolução, dado que era profundamente conotado com o regime e com a sua rigidez e formalidade. Provas disso foram a interrupção da Grande Noite do Fado ou a diminuição da sua presença nas estações radiofónicas e na própria RTP.
Uma das figuras que viria a fintar esta animosidade seria Carlos do Carmo, com o seu disco “Um Homem na Cidade” (1977), que apresenta uma distinta coleção de poemas de nomes associados à contestação do regime ditatorial, como Ary dos Santos, Fernando Tordo ou Paulo de Carvalho. Com isto, conseguiu aliar o instinto democrático ao fado e fazer valer a sua própria capacidade vocal para se impor no país e fora dele. Cruzou-se, assim, com outros fadistas, como João Braga (com um repertório também arrojado, com poemas de Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner ou de Miguel Torga), João Ferreira-Rosa e o seu “Fado Alcochete”, Frei Hermano da Câmara, as fadistas Teresa Tarouca, Beatriz da Conceição e Maria da Fé, e Dulce Pontes, que transformou o fado que cantava em algo mais vocacionado para a música do mundo, com sabores árabes e balcânicos.
A canção urbana de Lisboa conhece, desta feita, uma nova vaga a partir da década de 1980, embora com outros moldes, transformando-se numa base para a inspiração da música popular portuguesa e para nomes, como António Variações, Sérgio Godinho ou José Mário Branco. O próprio José Afonso (Zeca Afonso) havia começado a despontar na cidade de Coimbra, no embrião do fado Coimbrão, entoando as suas melodias, assim como Adriano Correia de Oliveira. As próprias expressões regionais, descentralizadas do núcleo do fado, acabaram por integrar as nuances do fado nos seus registos musicais.
Já na década de 1990 (e com as Grandes Noites do Fado a chegarem, também, ao Porto), nomes fortes do fado voltaram a surgir, mais alinhados com as exigências da música contemporânea.
Mafalda Arnauth, Ana Sofia Varela, Carminho, Miguel Capucho, Cuca Roseta, Aldina Duarte, Ricardo Ribeiro, Rodrigo Costa Félix e, claro está, Mariza, naturais de Lisboa, Mísia e Maria Ana Bobone, do Porto, Cristina Branco, de Almeirim, Camané e os seus irmãos, Pedro e Hélder Moutinho, de Oeiras, Kátia Guerreiro, natural dos Açores, Joana Amendoeira e Ana Moura, de Santarém, António Zambujo, de Beja, Marco Rodrigues, de Amarante, são alguns dos nomes fortes que dão voz ao fado na atualidade; para além de, na cordas, António Chainho, Pedro Caldeira Cabral, Ricardo Parreira e Ricardo Rocha continuam a fazer soar a guitarra portuguesa.
A 27 de novembro de 2011, a inclusão do fado como Património Cultural Imaterial da Humanidade, reconhecido pela UNESCO, algo que o eternizou e que o faz vingar, ainda hoje, como um marco cultural de Lisboa e, por entre outras variações regionais, de Portugal.
Atualmente, o fado é respeitado e valorizado por muitos, quase de forma unânime considerado como um referencial da cultura portuguesa. Tanto portugueses como forasteiros assinalam o fado como uma preciosidade e como um atrativo que distingue Portugal de tantos outros países, na sua dimensão artística. Também por isso o fado não é visto como algo estanque, sendo convidado a viajar noutras texturas musicais, mais experimentais e vanguardistas. Também isso é o património, algo que, apesar de lembrado e de assegurado pelo seu passado, não deixa de ser presente e de ter um sentido claro de futuro, inspirado nas gerações que se vão formando e se vão impulsionado com referências já conhecidas.
O fado é o destino e esse parece estar, embora inspirado pelos amores e desamores, bem encaminhado. O fado faz-se nas cordas e na voz e continua a fazer-se por esse destino fora.


Playlist:
Patricia Fernandes – Fado Ricardo
Patricia Fernandes – Igreja da Minha Terra
Marla Amastor – Fado Modesto – Antigamente
Sérgio Marques – Ponto Final
Sérgio Marques – Se ao Menos Houvesse um Dia
Marla Amastor – Sou a Doida Desta Rua
Edgar Lima – Fado Marialva
Edgar Lima – Fado do 31
Magina Pedro – Fado dos Beijos
Magina Pedro – Guitarras do Meu País
Tony Reis – Pintadinho
Tony Reis – Sinto-me só
Miguel Cardoso – Cruz de Pedra
Miguel Cardoso – Ai Se Eu Pudesse

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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados

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Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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