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Mi-Fá-Dó-Sol | 05 Set 2024

Carlos Reis e Dino Marques 05/09/2024

 

 

Emissão: 05 de Setembro 2024

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

 

 

Destaque: O Fado

Dos elementos mais caraterísticos da produção cultural, artística e musical portuguesa é o Fado. Mais do que um género musical, é um estandarte da cultura e da arte nacional, elevado ao estatuto de Património Cultural e Imaterial da Humanidade pela UNESCO no ano de 2011. De modos simples – com uma voz, uma guitarra tradicional e uma outra, a portuguesa (herança da cítara e do cistre medieval inglês, transformou-se num instrumento fundamental pela sua afinação aguda em Ré por Lisboa, e em Dó por Coimbra.
O fado é uma mescla dos perfumes do continente europeu e das influências mouriscas e árabes com o mais puro e íntegro da música popular portuguesa. O fado de Portugal foi, também ele, desvendar-se pela música e tornar-se eterno, entre outros, pela voz de Amália Rodrigues e pela guitarra portuguesa de Carlos Paredes.
No latim, fado é “fatum”, ou seja, destino. Pode dizer-se, talvez, que, no fado, se canta o destino. Por outro lado, das influências mouriscas, fica o apontamento compilado por Adalberto Alves, especialista no entendimento da cultura árabe, em que fado advém do arabesco “hadû”, que significa cantilena.
Pois bem, tudo começou bem no coração da capital, Lisboa, no século XVIII, numa fase em que a própria guitarra inglesa chegou a Lisboa e ao Porto e se transformou em seis pares de cordas, na forma de uma guitarra portuguesa. No seu estado consumado, tornou-se presença assídua nos seus bairros, seja nos cafés, seja nos próprios recintos públicos. O dia-a-dia era assim cantado com ardor e emoção, dando voz aos marginalizados da sociedade. Ventos que traziam a herança árabe, mourisca, e até as expressões musicais das colónias portuguesas ajudaram a que se desenhassem os ritmos, as melodias e os temas, similares às da modinha brasileira.
Havia, assim, o fado dos marujos, o fado do marinheiro, que cantavam sobre as fainas ou o degredo, ou até sobre o levantar do ferro em cada viagem. Bailava-se o fado cantado, corrido, bem mais leve e rítmico, com roupas muito caraterísticas, embora denotando o seu baixo estrato social. Por serem mesmo esses que cantavam o fado, empunhando uma voz rouca e sem hesitar no uso do calão e da gíria, a própria ala intelectual, de finos costumes e de polida educação, via o fado como um registo boémio sem cuidado ou decoro.
No entanto, não foi isso que impediu que o fado ganhasse asas, em especial nessas comunidades mais pobres dos bairros lisboetas. Alfama, Bairro Alto, Castelo, Mouraria ou Madragoa foram alguns deles, que, nos seus espaços mais lascivos e degradantes, ouviam os seus a cantar e a causar choque na Igreja, num autêntico fado vadio.
Aliás, muito andava em torno da mítica figura de Maria Severa, uma mulher que, seguindo o caminho da prostituição, tal como a sua mãe, mostrou dotes de “cantadeira”. A sua voz ecoava, assim, entre diferentes tabernas e tertúlias da cidade. No entanto, após conhecer o Conde de Vimioso, de seu nome Francisco de Paula de Portugal e Castro, deparou-se um aristocrata que sabia tocar guitarra e que elevou a sua voz para novos palcos, tanto musicais, como sociais.
Foi uma fase em que os nobres encaravam com curiosidade a música que nascia naqueles lugares e que a levaram para os grandes salões aristocráticos. As turbulências políticas e sociais do século XIX também aprofundaram o apego da população àquela música que era tão íntima e pessoal. A sua história seria tão célebre que seria “adaptada” para a literatura por Júlio Dantas, com “A Severa” (1901). Trinta anos depois, o cineasta Leitão de Barros colocou a obra no cinema, naquele que seria o primeiro filme sonoro nacional.
Apesar da afeição de Severa a meios sociais mais abastados, o fado nunca prescindiu da sua vocação popular e citadina. Assim, foi descobrindo-se em diferentes manifestações culturais, como festas de beneficência, associações recreativas ou peças de teatro de cariz local. Corriam, ainda, os tempos pré-Estado Novo, antes que a censura regulasse estas manifestações populares e um tanto ou quanto intervencionistas. Isto sem antes se aliar ao teatro de revista, que ajudou a impulsionar na forma como retratava a vida boémia e em como dotava de melodias as peripécias diárias dos seus protagonistas.
E foi precisamente na revista que o fado foi subsistindo, sem se tornar tão polémico, sendo interpretado por grandes vozes que as aliavam à capacidade de representação no palco. O fado, de igual modo, conheceu duas vias de expressão: o falado – João Villaret, importante nome do teatro, cantaria sobre ele – e o dançado.
Ainda nos palcos, apareciam figuras como Hermínia Silva, que dava voz ao fado musicado, àquele que procurava potenciar o melhor da guitarra portuguesa, e que ia formatando aquilo que se conhece como o fado tradicional.
Assim, em plena revista, manifestava os primeiros sinais do surgimento da “canção nacional”, orientadas por compositores-maestros e acompanhadas por grandes orquestras. A sua fama seria tal que chegaria ao cinema, onde continuaria a mostrar os seus dotes vocais e a conquistar o país.
Metricamente, o fado fixava-se numa estrutura conhecida como a “décima”, constituída por quatro estrofes de dez versos, orientadas pelo convite ao instrumento de cordas, onde se destacou a já mencionada guitarra portuguesa. De Lisboa, esta música começava a dispersar-se um pouco por todo o país, beneficiando de uma ampla cobertura mediática nos jornais e de uma maior recetividade a concertos em diversos espaços do país.
A aliança entre o fado e o teatro abria a possibilidade de se formarem grupos e destes fazerem autênticas digressões, tanto dentro como fora do país. Entre esses grupos, destaque para o Grupo Artístico dos Fados, o Grupo Artístico Propaganda do Fado e a Troupe Guitarra de Portugal.
Nestes grupos, iam surgindo outros nomes para lá de Hermínia Silva. A “loucura dos fadistas”, Berta Cardoso, fez da sua voz pujança para uma presença mediática em casas de fado e em teatros de revista. Armando Augusto Freire (ou Armandinho) acompanhava a sua emergência quase abrupta, após dedilhar o bandolim com um génio pouco comum então e fazendo-o no acompanhamento da voz de Berta Cardoso, na guitarra portuguesa. A primeira a viajar pelo estrangeiro e a fazer uso da sua voz seria Ercília Costa, a “santa do fado”, indo a França e aos Estados Unidos na década de 1930.
Vozes masculinas também iam surgindo, como a de Alfredo Marceneiro, um autêntico contador de histórias que começou em bailes populares e lançaria o célebre álbum “The Fabulous Marceneiro” (1961), e Tony de Matos. De igual modo, ganharam protagonismo Carlos Ramos, fadista e guitarrista, Maria Amélia Proença, a grande voz do fado castiço (o mais típico e bairrista), assim como Fernando Maurício, Maria Teresa de Noronha, que, com uma voz polida e com uma dicção exímia, deu à luz o fado aristocrático, Lucília do Carmo, a mãe de Carlos do Carmo, e o cantor Manuel de Almeida.
Apesar do mercado discográfico em Portugal ainda ser bastante limitado, de acesso caro e difícil, na década de 1920, a invenção do microfone elétrico e a descida dos preços dos gramofones ajudaram a que os discos pudessem ser gravados com maior naturalidade. O Rádio Clube Português, a CT1AA e a Rádio Graça iam iniciando as primeiras emissões radiofónicas em Portugal, e faziam-no com o fado, investindo em mecanismos técnicos e logísticos para rechear as emissões com cultura e música, onde se inclui o fado. Com a chegada da ditadura em Portugal, foram várias as transformações que limitaram a expressão do fado, tanto pelos meios de comunicação, como nos próprios espetáculos.

 

Playlist:
Ricardo Ribeiro – A lua e o corpo
Alcindo De Carvalho – Fado de ser fadista
Maria Teresa de Noronha – Fado hilário
Gabino Ferreira – O Valor do Fado
Fernando Maurício – Loucuras de um homem só (Fado Moreninha)
João Braga – São João Bonito
Maria Da Fé – Castigo de Deus
Tony Reis – Mariana
Tony de Matos – Fado Cesária
Manuel De Almeida – Embuçado
Manuel De Almeida – Andei à Tua Procura
Lucília Do Carmo – Incerteza
António Pelarigo – Negro Xaile
Cidália Moreira – Sou Tua

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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados

Mi-Fá-Dó-Sol

Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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