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Ovar em Jazz’24: Harmonias de Amaro Freitas narraram uma viagem pela Natureza

Escrito por em 30/04/2024

Música intensa, brilhante, viva e colorida: Foi enorme a dimensão musical e narrativa do concerto de Amaro Freitas na noite final do Ovar em Jazz, no passado dia 20 de Abril.

Com um controlo rítmico impecável, esta música incrivelmente vivaz conta-nos as maravilhas do Amazonas de modo incrivelmente fluído, o que é impressionante quando adicionado à maneira como a harmonia é bastante imprevisível, mas continua a ter um sentido programático – nesse sentido, faz-me lembrar muito Impressionismo, e, num detalhe mais técnico, a maneira como o pianista utilizava o pedal era simplesmente irrepreensível (quem me dera a mim usar o pedal assim!).

Ainda relativo ao piano, este foi um dos melhores usos de que tenho memória do piano preparado, e do beliscar direto das cordas do piano. O timbre que resultava era absolutamente único, e num tipo de trabalho que é tão transportador para uma atmosfera natural e de retorno às raízes, este elemento não poderia ter sido mais acertado para o efeito pretendido.

De forma geral, a construção tímbrica era puramente soberba, e o uso de diferentes efeitos sonoros externos ao piano foi também uma maneira certeira de obter uma narrativa extraordinariamente vívida – senti que o cruzamento entre o jazz e um aspeto mais cinemático foi muito bem feito, pois para além do enorme fervor na sua música, o jazz tornava a música mais “engraçada”, no sentido de fazer lembrar uma festa na selva, em que os animais se juntam e mostram as suas particularidades, esquisitices, e características únicas de cada um.

Mais uma vez, o uso do piano preparado é extremamente bem pensado, e nunca o vi ser usado de maneira tão contextualizada e apropriada. Sinceramente, um dos meus aspetos preferidos em toda a obra, e o quão bem descrevia a água, o interior das canas, a brisa cheia de pólen das flores, quase que consigo sentir o cheiro a Natureza, o belo e selvagem só de ouvir a música de Amaro Freitas. O que ainda era mais incrível era como a música era tão excitante, entusiasmante, como se estivéssemos numa missão para conhecer tudo o que há de belo numa selva infinita, e pelo menos a mim, Amaro Freitas prendeu a minha atenção em todos os momentos e em busca do que vinha a seguir, deu-nos sempre vontade de descobrir mais e mais. Ao usar efeitos de produção para que todos os elementos ficassem em loop, criou-se ainda um sentido de continuidade e de viagem, e era mesmo bom termos um quadro cada vez mais completo.

O ambiente criado era mesmo interessante, e, a meu ver, é difícil criar uma sonoridade de piano preparado que não seja vista como “demasiado psicadélica”, mas neste contexto encaixava de maneira eximiamente natural, para além da naturalidade também da percussão – foi extremamente bem conseguida, pois quanto mais programática a música se torna, mais reminiscente se torna a percussão, e sempre mais que no ponto e pertinente. Estas texturas cénicas que iam sendo criadas, que, para mim, se destacaram mais pelos ritmos e por um uso do piano que fazia lembrar Ravel, pela incrível habilidade e adaptabilidade expressa, tornaram-se um elemento-chave ao longo de toda a performance.

Com música tão transcendente, torna-se impossível não viajarmos até onde quer que Amaro nos leve, com a plena entrega e confiança de que vai ser um lugar inesquecível. O momento em que entramos dentro deste portal musical, podemos ver tudo, a vegetação verde-vivo, o céu de um azul alegre e acolhedor, as árvores parecem proteger-nos e a água do rio convida-nos a dançar sob a sua melíflua voz, e observa a peculiar dança dos insetos, cujo olhar sorri para nós, em confusão, é casa. É casa, e paz, e vida, e puxa-nos de volta para um mundo sem cimento, nem roda, nem paredes, nem muros, só uma dança serena e despreocupada de um Sol que não se põe senão demoradamente, de uma Lua que não é vazio, desde há quanto tempo me perguntava a que é que soaria um cantar de ninfa? Deve ser mais ou menos assim.

As harmonias são acolhedoras, sonhadoras, ternas, envolventes, como se a Natureza fosse o nosso berço e nos mostrasse todas as estrelas com uma promessa de as podermos alcançar, sem pressa.
E tudo isto apenas com harmonia. Incrível, não é?

E assim termino uma crítica de um concerto pura e simplesmente único, agradecendo por esta viagem tão autêntica e rica – e feliz por saber que ainda se faz música assim, tão interessante, e que nos enche por dentro. Só espero que muitos mais espetadores possam viajar com a música de Amaro Freitas, e por muito tempo.

Deixo a entrevista realizada a Amaro Freitas, no âmbito do concerto no Ovar em Jazz:

Confira alguns momentos do concerto, pela lente de António Dias:

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Fotos: António Dias
Áudios: Jaime Valente
Texto: Mariana Rosas

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