Mi-Fá-Dó-Sol | 07 Dez 2023
Carlos Reis e Dino Marques 07/12/2023
Emissão: 07 de Dezembro 2023
Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!
Destaque: História do Fado
Foi por vontade de Deus, Que eu vivo nesta ansiedade, Que todos os ais são meus, Que é toda minha saudade. Amália Rodrigues
A história do fado começa no século XIX e está entrelaçada por diversas teorias sobre as origens desse gênero musical, as quais continuam sendo debatidas até hoje. Considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2011, o fado é visto como o principal símbolo musical de Portugal. Ao longo de sua trajetória, rompeu fronteiras importantes, abandonando a característica de música pertencente às classes mais baixas e tornando-se patrimônio do mundo.
Sua história é marcada pela transmissão oral do conhecimento, assim como por constantes recriações e reinvenções de sua tradição. A globalização e a fluidez dos campos socioculturais do mundo contemporâneo apontam para uma nova perspetiva de análise do fado e de sua trajetória, assim como para o fortalecimento das discussões sobre as fronteiras culturais e a criação de novos territórios, que promovem simultaneamente a sua desterritorialização e reterritorialização.
As teorias sobre as origens do fado são discutidas até hoje, sem que haja um consenso que defina ou aponte qual é a certa. Este texto não tem a pretensão de definir qual teoria está correta e qual está errada, mas de apresentar ao leitor algumas delas, com destaque para aquelas que estão relacionadas a Portugal e ao Brasil, e de contextualizá-las, com o intuito de evidenciar a riqueza cultural presente neste gênero musical que faz parte da vida cotidiana social e cultural dos portugueses há 200 anos.
O debate é diverso e inclui apreciadores e especialistas do gênero que há alguns anos vêm debatendo, defendendo, analisando e averiguando as teorias e as hipóteses sobre a origem do fado. Entre elas estão vertentes que apontam para a descendência da cultura afro-brasileira a partir não só do lundu e da modinha, mas também do fado-dança, que pode ser entendido como “um conjunto de danças encadeadas, também conhecido como suíte, dançada ao som de viola e adufe, hoje substituído pelo pandeiro.
Assemelha-se a uma quadrilha europeia e é conduzida por repentistas” outras apostam na origem moura, ligada ao período em que o território português esteve ocupado pelos árabes. Outras vertentes identificam o gênero como uma canção do mar, trazida pelos marinheiros que aportavam em Lisboa, enquanto algumas argumentam o peso da origem lisboeta do fado, fundamentado nas classes menos abastadas da sociedade portuguesa e mais tarde reconhecido pela aristocracia e pela burguesia, quando se transformou em produto comerciável e representativo da cultura local.
A formação do fado como gênero musical constituiu-se principalmente por um extenso (e intenso) processo de trocas interculturais que promoveram uma multiplicidade infinita de interações. A este fato deve-se destacar o período de estabelecimento do sistema colonial português, que do século XV ao XX se constituiu como império global, presente na Europa, na Ásia, na África e nas Américas.
A partir do entendimento de que toda configuração cultural é histórica, ou seja, tem começo, meio e fim, traduz-se a necessidade quase natural de constante reinvenção. As tradições são efetivamente reinventadas, em particular pelas novas gerações, que se tornam responsáveis pelo zelo e pela recriação do gênero como herança cultural de Portugal. O fado, como cultura reinventada, é resultado de uma gama de invenções que contam sua história, aquilo que já foi vivido e que não existe mais, assim como sobre suas origens.
O fado de muitas origens de dança do Brasil à música de Portugal, o fado atravessou o Atlântico para constituir-se em um gênero que deixou para trás o movimento sincopado de uma dança sensual praticada em algumas casas de entretenimento da cidade do Rio de Janeiro no século XVIII. O argumento que sustenta a origem afro-brasileira do fado está ligado ao período em que o Brasil era colônia de Portugal, quando ocorreu a mistura cultural entre europeus, americanos e africanos que resultou no aparecimento de novos movimentos culturais, artísticos e religiosos em terras brasileiras.
O lundum ou lundu, como escreve Pinto de Carvalho (2003), é uma dança tipicamente africana, importada do Congo para o Brasil durante a época da escravidão, a qual perdurou no Brasil desde a primeira metade do século XVI até finais do século XIX. A fama do lundu data do século XVIII e, apesar da forte resistência por parte da Igreja e até mesmo da Corte, aos poucos ganhou espaço e aceitação da elite e da Corte portuguesa (TINHORÃO, 1998). O lundu era considerado uma dança vulgar e imoral, como representado em muitos relatos de viajantes em passagem pelo Brasil que se impressionaram com a dança.
Dos relatos destacam-se dois, que, por apresentarem ideias opostas, traduzem com riqueza de detalhes as danças do Brasil colonial. O primeiro é o relatório de viagem escrito pelo capitão francês Louis-Charles Desaules, comandante de 1817 a 1820 de uma expedição da Armada Real francesa: As danças que se executam nos salões são em geral as francesas e as inglesas. Noutros lugares preferem-se com bastante frequência as danças lascivas nacionais, que são muito variadas e se aproximam muito das dos negros da África.
Há cinco ou seis que são muito características: o lumdum é a mais indecente; vêm depois o caranguejo e os fados, que são em número de cinco – estas são dançadas por quatro, seis, oito ou mesmo dezasseis pessoas; por vezes são entremeadas de melodias cantadas muito livres; há nelas figuras de vários gêneros, todas elas muito voluptuosas. Mas em geral estas danças têm mais lugar no campo do que na cidade. Além disso, as raparigas raramente hesitam em participar nelas, e quando se dança em pares é a mulher que vem convidar o cavalheiro.
O oposto é visto no diário de um oficial alemão, escrito nos anos de 1925 e 1926: Infelizmente, também no Rio de Janeiro a Dança francesa está a começar a suplantar a nacional. Não conheço nada de mais insípido do que estes entrechats e ailes de pigeon constantemente repetidos, que lembram uma marioneta a mexer os braços e as pernas como se alguém lhe estivesse a puxar os cordéis.
Playlist:
Aldina Duarte – Ai Meu Amor se Bastasse
José Fernandes – Quem vai ao fado
Jorge César – Chegou a hora de dizer
Alzira Afonso – Fui Estrela e Lua Triste
Maria Da Fé – Fado errado
Gabino Ferreira – O fado está doente
Natália dos Anjos – O Velho E O Novo
Celeste Rodrigues – Flor Na Tua Mão
Lucília Do Carmo – Lá Vai a Rosa Maria
Carlos Macedo – Fado Santa Luzia
Marlene Alves – Bailinho à Portuguesa
Manuel De Almeida – Fado Pechincha
Rodrigo – Estás em Tudo
Manuel Delindro – Hino às guitarras
Lenita Gentil – Lisboa É Sempre Lisboa
Maria Albertina – Lisboa à Noite (Milú)
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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados