Mi-Fá-Dó-Sol | 14 Mar 2024
Carlos Reis e Dino Marques 14/03/2024
Emissão: 14 de Março 2024
Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!
Destaque: O Fado
«Desde a sua estruturação, no primeiro quartel do século XX, enquanto género musical autónomo, o Fado conseguiu cruzar influências musicais e culturais diversas usufruindo dos novos públicos que o teatro de revista, a rádio, a gravação em disco e o cinema, progressivamente lhe trouxeram.»
Uma Estratégia Cultural ao serviço de Portugal «O fado andou entre uma cultura e uma subcultura. As fronteiras são ténues (…) O fado inspirou cineastas e mais outras artes.» e tem conseguido expressar-se nas mais distintas e inesperadas manifestações culturais: cinema, teatro, televisão; publicidade; pintura, escultura; fotografia; literatura, imprensa; entre outras vertentes que englobam a expressão da cultura, que constroem uma linguagem artística. O fado tem expressão na cultura e nas artes como muitos outros elementos não têm, e muitos outros nunca terão.
Uma vez mais, e como anteriormente mencionado na nota metodológica, não consideramos até ao ínfimo pormenor todo o universo artístico em que o fado surge. Optámos por selecionar algumas das artes em que o fado mais se tem projetado e obtido maior visibilidade. Procurámos ser transversais, multidisciplinares e realistas. «Tem que ver com imagens, com versos, com desenhos, com fotografias, com poemas, com vidas, de tudo o que o fado tem para contar e de tudo o que, afinal, conta o que é o Fado. É tão só o resultado do ler, do ver, do ouvir (…) procurando apenas deixar o contributo para que com histórias do Fado, se vá fazendo a história do Fado.»
Se hoje os fadistas cantam os grandes poetas, os maiores nomes da literatura portuguesa, também a palavra fado, e o fado enquanto música e forma de vida, são mencionados na escrita desde há muito. Luís de Camões dizia “Com que voz chorarei meu triste fado”, num dos poemas que mais tarde viria a ser interpretado por Amália Rodrigues. Seria certa a apresentação da palavra neste contexto como destino, como fortuna, mas como se chora com a voz? Não choramos antes com lágrimas? Luís de Camões pretenderia já expressar o canto do nosso destino; o fado enquanto temática fatalista.
Já antes, Bocage nos seus poemas abordava a temática: «Ao amor quis esquivar-me, e ao dom sagrado| mas vencido no meu génio o meu destino| que havia de fazer? Cedi ao fado…». Era o tal infortúnio “fadista”, já aqui evidenciado, como o seria igualmente em tantas das cantigas de amor, escárnio e maldizer que se conservam na nossa literatura. Atravessando os diversos séculos, vamos encontrando apontamentos de “fado” quer na prosa, quer na poesia: «Quem ouve o Fado lá longe| longe do nosso país| é que entende.
Uma Estratégia Cultural ao serviço de Portugal até ao fundo| tudo quanto o Fado diz!…». «Atenas produziu a escultura, Roma fez o direito, Paris inventou a revolução, a Alemanha achou o misticismo. Lisboa que criou? O Fado (…)». Os grandes escritores de Portugal divagaram, teorizaram sobre o fado «Toda a poesia – e a canção é uma poesia judada – reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre, e a canção dos povos alegres é triste. O Fado, porém, não é alegre nem triste. É um episódio de intervalo.
Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar. As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe. O fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que ele creu e que também o abandonou. No fado os Deuses regressam, legítimos e longínquos.»
Há, de facto, uma ligação íntima entre o fado e as palavras. Portugal é detentor de uma forte tradição poética. É irrefutável. Tem uma das grandes escolas de poesia da Europa. O fado canta, divulga a poesia. Depois há poemas dedicados ao fado, há textos onde o fado é a base de toda a semântica. Em 1994, no âmbito da exposição Fado – Vozes e Sombras, no Museu Nacional de Etnologia, inserida na iniciativa Lisboa Capital Europeia da Cultura, Joaquim Pais de Brito escreve: «O fado parece estar hoje numa situação de impasse e de interrogação que só talvez a recente adesão de grandes nomes da poesia portuguesa poderá ajudar a sublimar.». É inequívoca a relação.
Grandes nomes da poesia recheiam hoje repertórios de fado. É o caso do poeta Manuel Alegre que, a pedido do fadista João Braga, escreveu um poema para um dos seus fados: “Há um fadista em cada português”. Ou o exemplo do poeta David Mourão Ferreira que escreve para tantas entoações, para distintos sentimentos fadistas. E perder-nos-íamos se apontássemos aqui todos os nomes. A poesia é, de facto, um elemento importante, senão o mais crucial e relevante do teorema do fado.
No panorama literário há, ainda, que referir a bibliografia, os livros que têm sido editados sobre o fado: a sua história, os mitos, os protagonistas. Mais recentemente todo o trabalho académico e científico que foi sido desenvolvido para a recuperação do fado enquanto património, enquanto elemento cultural e das suas (possíveis) origens, grande parte no âmbito da Candidatura do Fado a Património Imaterial da UNESCO. A literatura, a poesia, as palavras têm espaço para o fado; e o fado encontra nestas um modo de vida, a alma para a sua composição, um modo de prolongamento.
Televisão, Cinema, Teatro estendem-se nas mais variadas expressões artísticas; das palavras passamos às imagens, à representação, à vida. Na sétima arte o fado esteve presente diversas vezes e tem sido, ao longo dos decénios, uma presença pontual nos cartazes, sobretudo a partir da entrada em cena de Amália Rodrigues. Com ela, o cinema, e o fado no cinema, recolheram louros, espectadores e espaço nas salas do país. «A relação entre o fado e cinema (…) parece mais íntima e especifica.
O fado foi um tema predileto das tentativas de criar uma cinematografia nacional simultaneamente popular no mercado doméstico e suscetível de interessar os públicos estrangeiros. (…) A inscrição do fado no código genético do cinema sonoro português […a] relação entre cinema e fado, assente na apropriação do segundo pelo primeiro enquanto tema narrativo e símbolo cultural.».
Playlist:
Sérgio Marques – Ponto Final
Sérgio Marques – Se ao Menos Houvesse um Dia
Andreia Ribeiro – Silêncio Deixem Ouvir as Guitarras
Andreia Ribeiro – Minha Mãe eu Canto a Noite
António Cerqueira – Graça Do Meu Bairro
António Cerqueira – Julguei Ver o Teu Cabelo
Júlia Silva – Negro Xaile
Júlia Silva – Vielas de Alfama
Edgar Lima – Fado Calão
Edgar Lima – Pomba Branca
Patricia Fernandes – Amor Ausente
Patricia Fernandes – Dá Tempo ao Tempo
Magina Pedro – Balada do Outono
Teresa Siqueira – O Vento Agitou O Trigo
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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados