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Samba na Veia

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Mi-Fá-Dó-Sol | 18 Jul 2024

Carlos Reis e Dino Marques 18/07/2024

 

 

Emissão: 18 de Julho 2024

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

 

 

Destaque: Sobre o fado e a História do fado

Cada livro a sua história e as múltiplas maneiras de ser lido. E quando os anos apagaram das memórias um autor que não passou aos compêndios e os factos que refere parecem ter-se tornado demasiado longínquos e anódinos, chamar a atenção para um livro seu e justificar a sua importância é também sugerir algumas das maneiras de o reler. É o que fazemos hoje com a História do Fado de Pinto de Carvalho (Tinop), cuja apresentação nos merece duas observações prévias.
Por um lado, esta não deverá ser tão longa que espartilhe ou condicione a leitura de um texto que se oferece veloz e divertido e que permanentemente surpreende pelo inesperado desenlace de um acontecimento circunstancial, pelo pormenor extremo que parece aproximar-nos dos hábitos de um qualquer personagem obscuro, pela anedota temperada de adjetivos sonoros e cortantes de que apenas se adivinha o significado. Neste sentido, trata-se de um livro que transmite ao leitor o profundo prazer do autor ao escrevê-lo e se lê de um fôlego como livro de aventuras que também é. Qualquer introdução (e também esta) irá, assim, perturbar o encanto da sua descoberta. Por outro lado, porém, o muito que se tem escrito sobre o fado e a ambiguidade dos discursos que o envolvem obrigam-nos a esboçar uma breve síntese dos tipos de texto que constam da sua bibliografia para melhor situar entre eles a História que vamos ler.
O discurso ideológico é a tónica dominante de grande parte da extensa bibliografia (algumas dezenas de títulos) que se ocupa do fado. Os juízos de valor sobre ele emitidos ajudam a obscurecer um objeto já de si mal definido. De um lado, uma quantidade de pequenos textos, de escasso interesse, normalmente aparecidos na imprensa periódica; paralelamente, alguns outros que mais solidamente refletem as preocupações de autores de finais de século que pensaram a decadência (Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida) e de outros que no limiar e durante o Estado Novo falavam de ressurgimento.
Importa aqui destacar O Fado, Canção de Vencidos de Luís Moita, livro dedicado à Mocidade Portuguesa, onde se reúnem as palestras feitas pelo autor em 1936, na Emissora Nacional e em que se combate acerbamente aquela forma de expressão, mas onde simultaneamente se referencia o maior conjunto de documentação sobre o tema à época existente. É de referir que um dos mais recentes textos publicados, A Mitologia Fadista de António Osório (1974), não escapa à projeção ideológica do autor, inserida agora num outro contexto: a crítica de valores veiculados por um regime veladamente contestado e que o fado claramente espelhava. Em todos estes textos, uma conclusão radical: o fado não é a canção nacional.
Muitas das críticas ao fado provocaram igualmente respostas, também elas empolgadas pelo discurso ideológico dos autores, sendo particularmente de referir O Fado e os seus Censores (1912), obra do tipógrafo anarquista Avelino de Sousa, que via nessa canção o veículo natural e privilegiado da luta social das classes oprimidas. Em sentido oposto, o filósofo Álvaro Ribeiro viu nele a cristalização da essência de uma alma nacional e chegou a estabelecer as bases de uma «doutrina fadista» que o pudesse preservar das corrupções. Para todas as defesas mais ou menos apaixonadas, a insistência na expressão há muito divulgada: o fado, a canção nacional.
Para além desta caracterização, forçosamente genérica, de uma componente constante da maioria dos escritos sobre o fado e que se traduz em tomadas de posição contra (a maioria) ou a favor, alguns aspetos relativos a ele são recorrentemente tratados na literatura. Assim, um conjunto de textos aborda a questão das suas origens. Os primeiros aparecem no final do século XIX e continuam até à década de 30, momento a partir do qual apenas se retomam hipóteses já formuladas anteriormente. Variando na solidez da sua argumentação, conseguem por vezes estabelecer articulações com o passado imediatamente anterior ao da sua implantação como forma musical autónoma. De qualquer modo, da perspetiva sócio antropológica em que nos colocamos, julgamos esta uma falsa questão.
Saber se essa origem é árabe, africana, brasileira, provençal, popular, ou se reside no balanço cadenciado e murmurante do mar ou ainda numa qualquer especificidade da alma nacional, é de importância menor em relação àquilo que nos parece ser uma questão de fundo: a sua emergência em certos bairros da capital no segundo quartel do século XIX, o quadro histórico e condições sociais da sua reprodução/ transformação.
Podemos incluir num segundo grupo as abordagens propriamente musicais (Lambertini, Ernesto Vieira, Gallop, Frederico de Freitas) que frequentemente fazem contrastar o fado com a música tradicional portuguesa ouvida nos ambientes rurais das distintas províncias, ressaltando desse confronto o valor menor ou mesmo o carácter espúrio do primeiro, algumas vezes sujeito a apreciações extramusicais baseadas na negatividade dos valores que parece trazer associados – são disto exemplo as páginas que Armando Leça e Fernando Lopes Graça lhe dedicaram. E devem ainda incluir-se neste grupo os textos que mais especificamente se referem aos instrumentos ligados ao fado.
Conjuntamente com os anteriores, permitem-nos refletir sobre a rigidez das formas em que se molda a sua existência e que julgamos dever ser tratada correlativamente à variedade de temas percorridos pela palavra cantada. A obrigatoriedade da guitarra acompanhada ou não pela viola, a fixidez da estrutura melódica e o posicionamento e gestualidade dos atores (tocador, cantador, ouvintes) num jogo cénico repetido, produzem um modelo facilmente apreensível através do qual se podem contar todas as histórias e na base do qual é possível exercitar a criatividade e a ginástica das improvisações.
O que é dito, se comporta como elemento significante a maneira como se diz, é também tudo aquilo que o cantador souber, quiser ou puder dizer para além da imposição ritual da forma a que se está obrigado. Sendo assim, referir sem mais a pobreza musical do fado, como fazem muitos dos autores que abordam este aspeto, é esquecer que ele não é apenas ou sobretudo fenómeno musical e desconhecer os sentidos que nele se articulam enquanto expressão de uma cultura popular urbana.
Podemos ainda referir um grupo de textos que se ocupam de uma figura que está na origem de um dos grandes mitos fadistas, o maior – a Severa. Sempre acompanhada de Vimioso, o conde através do qual se tornou célebre e se constituiu em imagem, simultaneamente emblemática e diáfana do fado. Ela era a jovem, a prostituta, a voz inconfundível, a tocadora de guitarra, a rebelde e a preferida daquele que, vindo de um universo social oposto, permitia a ilusão de uma partilha sabida impossível. A escassez de pormenores sobre a sua curta existência, a ausência de retratos que permitiriam com alguma nitidez perpetuar a sua figura mas que também a conteriam dentro dos limites retratados, reforçaram a eficácia simbólica de um mito que percorreu mais de meio século e deu origem a uma literatura feita de biografias mais ou menos documentadas ou imaginadas, dramas, operetas, para além dos filmes a que emprestou o nome ou a história e dos folhetos que a cantaram.

 

Playlist:
Carlos Ramos – Sonho Fadista
Fernando Farinha – Velha praça da figueira
Raul Pereira – Melros
António Rocha – Fado poliglota
Beatriz da Conceição – Gastei Contigo as palavras
Ricardo Ribeiro – Glosa da Saudade
Fernando Maurício – Fadista perfeito
Júlio Peres – A mais linda mulher
Maria Da Fé – Fado errado
José Fernandes – Capital do Norte
Aldina Duarte – O Cachecol do Fadista
Júlia Silva – Lira
Jorge César – Sou Pecador
Hélder Moutinho – Fado Amado
Argentina Santos – Duas Santas

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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados

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Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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