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Samba na Veia

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Mi-Fá-Dó-Sol | 21 Dez 2023

Carlos Reis e Dino Marques 21/12/2023

 

 

 

Emissão: 21 de Dezembro 2023

Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!

 

 

Destaque: História do Fado

O rei, a sua corte parte [também] para o Brasil e um reino de desordem se prolonga pelas décadas seguintes, numa sequência de acontecimentos que trazem instabilidade, agitação, ausência de controlo e proliferação de circulações, comportamentos e discursos não enquadrados numa ordem normativa e estável. A burguesia enriqueceu com os bens comprados da Igreja e surgiu como ator social de peso. A população proletária abrigada em Lisboa também se fortaleceu e estabeleceu um mercado paralelo marginal – com contrabando, jogo e prostituição. Esse foi o cenário no qual o fado surgiu em Lisboa, caracterizado pela passagem das classes proletárias para a aristocracia e para a burguesia.
Em 26 de julho de 1820, nasceu Maria Severa Onofriana, que, “reuniu condições para se projetar como seu mito fundador”. Identificada como a primeira mulher a cantar, tocar e dançar o fado, a primeira fadista, como é conhecida, é uma personagem importante para compreender os primeiros anos do fado em Lisboa.
O poeta e ensaísta Raimundo António de Bulhão Pato (1828-1912) conheceu Severa pessoalmente e a descreveu da seguinte maneira: A pobre rapariga foi uma fadista interessantíssima como nunca a Mouraria tornará a ter! […] Não será fácil aparecer outra Severa altiva e impetuosa, tão generosa como pronta a partir a cara a qualquer que lhe fizesse uma tratantada! Valente, cheia de afetos para os que estimava, assim como era rude para com os inimigos. Não era mulher vulgar.
O ano do nascimento de Maria Severa marca os primeiros registros de existência do fado, nas décadas de 1820 e 1830. No entanto, foi apenas depois da sua morte, em 1846, que Severa teve seu talento reconhecido e aclamado pelos fadistas, fato inédito nos meios populares. Segundo Lévi-Strauss (1978), para entender um mito, é preciso acompanhar e compreender sua trajetória, “como uma sequência contínua” e totalitária de acontecimentos, e, assim, descobrir que seu significado não está ligado à narração de uma sequência de acontecimentos, mas a grupos de acontecimentos,
A popularidade de Severa é retratada no tema Fado da Severa, composto por Sousa do Casacão em 1848: Chorai fadistas, chorai, Que uma fadista morreu. Hoje mesmo faz um ano Que a Severa faleceu. Chorai, fadistas, chorai Que a Severa já morreu: E fadista como ela Nunca no mundo apar’ceu. […] Chorai, fadistas, chorai, Que a Severa se finou. O gosto que tinha o Fado, Tudo com ela acabou.
Prostituta e moradora do bairro da Madragoa, Severa mantinha um relacionamento amoroso com o conde de Vimioso, à frente de uma das famílias aristocráticas mais distintas de Portugal. Ele a convidava frequentemente para se apresentar nos salões da aristocracia e, por isso, ela é considerada um instrumento de promoção social do fado. Ainda hoje seu mito está presente entre aqueles que estudam e apreciam o fado e, em boa medida, motivado pela defasada quantidade de documentos, fotos e registros que ajudem a compreender melhor a mulher que desencadeou mudanças importantes na história do fado.
Brito (2006) apresenta o contraponto entre esses dois mundos sociais na cidade como modo de entender a teoria da origem lisboeta do fado. Por um lado, é apresentada: […] A população iletrada e marginal das ruas e da zona ribeirinha da cidade, despossuídos e gente sem emprego estável, com a atividade de circunstância, misturada com desocupação, ócio e vadiagem, uma circulação pelas tabernas, prostíbulos, feiras e espaços de relacionamento clientelar estratos superiores da sociedade […]. E, por outro, a “[…] aristocracia […] descobrindo o popular e o exotismo dentro das portas da cidade, característica de um romantismo tardio e de uma boémia que se prolongam por todo o século XIX”.
A classe alta se apropriou do fado como gênero musical menor, pouco valorizado, com a crença de que havia descoberto o popular e o exótico dentro da própria cidade. Outros atores sociais surgiram nesse período de transição, como o movimento realizado do operariado para a alta classe. São identificados quatro tipos sociais que compõem estruturalmente o fado lisboeta: o primeiro, como mencionado anteriormente, era composto da população mais pobre de Lisboa – os iletrados, os malandros, os marginais, as prostitutas e as pessoas sem ocupação fixa.
O segundo tipo era constituído pela aristocracia, “em geral, retrógrada, vivendo a perda do seu estatuto com as modificações trazidas pelo liberalismo, o jogo parlamentar, a diminuição da importância Música absoluta dos bens fundiários e outras fraturas consequentes à basculação de valores estáveis”. O terceiro data do final do século XIX e era constituído pela classe operária que floresceu na época.
O fado foi usado pelos operários como instrumento da luta pelos direitos civis, cuja principal característica incidia no discurso reivindicatório das letras. A propaganda socialista constituía temática frequente, com os temas reverenciando o pensamento marxista e a própria pessoa de Marx. Naquele momento, os operários se organizavam com consciência de classe e protagonizavam as primeiras greves industriais em Portugal. Os tipógrafos, em contato direto com o universo dos meios de comunicação, eram os responsáveis pela divulgação dos fados produzidos pela classe operária e colaboravam com a disseminação dos objetivos do novo estrato social ascendente.
O quarto ator social era formado pelas pequena e média burguesias, que detinham o capital financeiro corrente na cidade. A burguesia tinha meios financeiros para adquirir a “grafonola”, o aparelho de rádio e para frequentar o teatro de revista, capitalizando assim a “economia do fado”. A burguesia era o ator social que disseminava, junto com as transmissões de rádio, o fado para outras camadas da sociedade.
O rádio representou importante ferramenta durante o processo de construção da identidade nacional do fado. Em paralelo, a burguesia – em geral, cumprindo seu papel de mecenas – gerava e financiava a nova forma de comunicação e o novo gênero musical. Outras correntes indicam que, mais importante que o rádio e a grafonola, a publicação de partituras com acompanhamento para piano a partir da metade do século XIX teria sido o fator determinante para a entrada do fado nos grandes salões portugueses


Playlist:
António Mourão – Canta a Cuca, Canta o Gaio
Fernando Mauricio – Loucura
Fernando Farinha – Malditos os olhos meus
Max – Não Basta Chamar Irmão
Alcindo De Carvalho – Julguei endoidecer (Fm)
João Braga – António Batista
Tristão Da Silva – Calçada da Glória
Frutuoso Franca – Contraste – Estela
Cidália Moreira – Sardinhada
Carlos Do Carmo – Pontas Soltas
Joana Costa – Tua Guitarra
Filomeno Silva – Mãe Diz-me Porquê
Manuel Delindro – Fadusmente
Manuel Granja – Senhora do Livramento
António Terra – Maria sózinha

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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados

Mi-Fá-Dó-Sol

Vibram as cordas... Bem Vindos ao Fado!

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