Mi-Fá-Dó-Sol | 29 Fev 2024
Carlos Reis e Dino Marques 29/02/2024
Emissão: 29 de Fevereiro 2024
Descrição: Programa inteiramente dedicado ao Fado. Realizado por intérpretes do género musical, Mi-Fá-Dó-Sol foca-se na divulgação de artistas e eventos, sem deixar de lado a história e as curiosidades de tão importante património português!
Destaque: O Fado e a Cultura
Será o Fado um produto cultural capaz de ser verdadeiramente aglutinador de uma estratégia nacional para uma política cultural externa? Várias são as questões, particulares inquietações que culminam na necessidade de delinear, postular e aplicar uma Política Cultura Externa que permita ao nosso país, à nossa sociedade, uma fuga do ciclo menor em que se encontra.
Será o fado matriz da cultura portuguesa? E quão primordial é o papel da cultura na nossa sociedade, na nossa política, na nossa estratégia externa? Caber-nos-á a nós o papel de criar, canalizar e ostentar a nossa cultura? Colocamos o fado como arte até o obtermos enquanto potencialidade. Partimos do particular para o geral; descortinamos uma das facetas da cultura portuguesa obtendo no fundo a noção da sinergia da cultura no seu coletivo, no seu todo.
«Herdamos três palavras que arrastamos na alma: saudade, sebastianismo e fado.» «A procura das raízes é, simultaneamente, o prosseguimento do nosso destino.» «Porque é que o Fado se chama Fado?» Porque se designa de Fado uma das formas mais tradicionais de cantar o nosso destino? A nossa identidade cultural? A nossa história? «A questão é seguramente das mais curiosas de tudo quanto rodeia o Fado e, em rigor, não há até hoje nenhuma resposta que se possa considerar absolutamente certa. (…) A verdade é que enquanto destino, sorte, acaso, o termo faz de há muito parte da língua portuguesa.»
Dos mais simples aos mais elaborados dicionários e enciclopédias de língua portuguesa a terminologia de fado apresenta-se como «destino; sorte; fortuna; o que necessariamente tem de acontecer; fatalidade.» A partir do século XIX é anexada a designação musical da palavra: é a «canção típica lisboeta, de carácter popular, geralmente interpretada ao som de guitarra portuguesa e que pode ter um andamento lento ou rápido.»
No fado não se toca, não se intervém. O Fado ninguém o muda. Não tem dono, nem regras, nem deveres. O Fado é um «episódio de intervalo.» O fado acontece.
«Sendo o seu aparecimento uma realidade ainda hoje polémica, de um ponto de vista histórico o Fado é inquestionavelmente uma manifestação musical relativamente recente, mais ainda na forma como hoje o conhecemos.» Não são certas datas, nem locais de nascimento, no entanto apontam-se várias teorias e teses. Alguns investigadores discursam sobre a criação do género no Brasil, entre os escravos africanos residentes, num registo distante do atual. Outros defendem o imediato surgimento do cantar entre os marinheiros portugueses, sendo depois trazido para os bairros lisboetas.
Algumas perspetivas defendem o surgimento do fado por influência da África lusófona, numa degeneração do lundum angolano ou da morna cabo-verdiana, também longínqua das melodias, composições e letras fadistas a que temos acesso hoje. Outras ligam-no aos antigos e românticos trovadores ou às heranças árabes. São diversas e desconcertantes as opiniões. São múltiplas as opções que buscam esclarecer o seu aparecimento, muitas as possíveis causas de influência. Teorias, plausíveis, mas apenas teorias.
Incerta a sua origem, é concreto que «o fado é um produto de tudo isto; um produto da mestiçagem física que responde inevitavelmente a uma mestiçagem cultural.» Independentemente do local, data do feliz acaso, o fado é resultado do que fomos, da nossa diáspora quinhentista e de tudo o que nos transformou em portugueses. Tem história, mas mantém-se atual pelas temáticas que aborda: saudade, nostalgia, a força e descontrolo dos sentimentos, a desmedida forma de viver portuguesa. «Atendendo a que todas as músicas são uma Estratégia Cultural ao serviço de Portugal e que não conhecemos músicas em estado virgem, também o fado nasceu de qualquer coisa e não de geração espontânea.»
Os primeiros registos da palavra fado enquanto género musical surgem no século XIX, em diversos documentos, relatórios de viagens, de expedições, de missões de armadas estrangeiras que ao passarem pelos portos brasileiros registam com as suas palavras a existência de uma melodia distinta que era dançada pelos negros de um modo entusiasta e simultaneamente “imoral”, para os intelectos mais puritanos.
São inúmeras as descrições e redações detalhadas daqueles momentos. E, partindo destes mesmos documentos percebemos que «as suas diferenças em relação ao Fado posterior praticado na Metrópole, tal como este chegou até nós, são evidentes (…) Este fado dançado no Brasil (…) está longe de ser o Fado português. Mas constitui um núcleo duro da sua origem.» É uma das possíveis vias para a sua génese.
Em Portugal os primórdios da terminologia colocam-se na primeira metade do século XIX, numa sociedade ambígua, díspar, com um fosso desregulado entre classes sociais. Aqui as casas de fado surgem como casas de prostituição, de marginalidade. As fadistas (aqui um termo do género feminino) são tidas por prostitutas. As descrições dos espaços são reprovadoras do mesmo e a cada ínfimo pormenor torna-se menos tolerável a entrada nesse mundo. Tudo é dotado de uma visão fatalista que torna as casas de “fado” e as fadistas invariavelmente destinadas a tal: há resignação. Foi o destino que as entregou a tal posição.
Mais uma vez cruzam-se os conceitos do fado enquanto fatalidade e enquanto género musical. O termo fadista viria, uns decénios mais tarde, a alastrar e a chegar também ao universo masculino. O fadista era visto como um indivíduo participante também ele no circuito marginal, um «termo pejorativo que se aplicava a rufiões» e a desordeiros. «Fadista remetia para adjetivos negativos, conotados com marginalidade, prostituição; era um rufia, um proxeneta.»
No século XIX o fado não era de todo bem visto e situava-se nas margens de uma sociedade crítica, moralista, que censurava os fadistas, o seu jeito de ser, o seu modo de estar. Criou-se um estereótipo, construiu-se uma ideia demasiadamente concebida que seria depois dificilmente negada. «Houve também tradicionalmente uma atitude de mau estar, da intelectualidade progressista portuguesa desde as grandes ruturas do século XIX em relação ao fado.»
Playlist:
Juliana Duarte – Povo Que Lavas No Rio
Juliana Duarte – O Xaile De Minha Mãe
Juliana Duarte – Lenda Da Fonte
Juliana Duarte – Cansaço
Juliana Duarte – Uma Casa Portuguesa
Juliana Duarte – Nem Às Paredes Confesso
Juliana Duarte – Ai Mouraria
Juliana Duarte – Fadinho Serrano
Juliana Duarte – Não Passes Com Ela À Minha Rua
Juliana Duarte – Cheira a Lisboa
Juliana Duarte – Nunca É Silêncio Vão
Juliana Duarte – Fado De Outrora
Juliana Duarte – Fado De Outrora
Juliana Duarte – Lenda Da Fonte
Juliana Duarte – Uma Casa Portuguesa
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Publicação: Irina Silva
Foto(s): Direitos reservados